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Cavalgada abre campanha em defesa dos campos sulinos

Historiador gaúcho faz campanha pela preservação dos campos sulinos e aposta no turismo como opção à invasão de florestas plantadas de pinus.

Por Agencia Estado
Atualização:

Cerca de 250 pessoas partiram hoje de São Francisco de Paula e Bom Jesus, no Rio Grande do Sul, numa cavalgada que dura até domingo e abre a campanha pela preservação dos Campos de Cima da Serra. Organizada pelo historiador e pecuarista Sebastião Fonseca, a campanha pretende recuperar, para fins turísticos, o antigo Caminho das Tropas, por onde as mulas criadas no Rio Grande do Sul eram levadas até Sorocaba, no interior de São Paulo, para o trabalho nos engenhos de açúcar e nas indústrias nascentes. Neste fim de semana, os cavaleiros seguem até Coxilha Rica, em Santa Catarina, parando em 7 cidades, no meio do caminho, para reuniões com os prefeitos, autoridades locais e moradores. "Queremos discutir a alternativa do ecoturismo e turismo rural, em contraposição ao florestamento com pinus para a venda de madeira, que está tomando conta da região de campos", explica Fonseca. Muitos proprietários rurais têm aberto pousadas em seus sítios e organizam cavalgadas, caminhadas e eventos associados à cultura local. Mas a rentabilidade e a consolidação econômica deste tipo de turismo dependem da preservação da paisagem original da serra gaúcha, da qual os campos de altitude são elementos fundamentais. De acordo com um levantamento com base em imagens de satélite, realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1997, o nordeste gaúcho tinha 426 mil hectares de florestas nativas e 605 mil hectares de campos. As florestas plantadas de pinus totalizavam 47 mil hectares e as de eucaliptos, 4 mil. De lá para cá, a adesão dos produtores ao plantio de pinus aumentou muito, e boa parte da expansão vem se fazendo sobre os campos naturais. "O plantio de pinus é a principal alternativa para complementar a baixa rentabilidade da pecuária e evitar o corte de floresta nativa, principalmente da mata de araucária", explica Cilon Estivalet, da Associação Ecológica de Canela (Assecan). "O problema é a medida, a definição de áreas onde pode e onde não pode ser feito o florestamento", complementa Vitor Hugo Travi, da Universidade de Caxias do Sul (UCS). "Sem os campos, perdemos a identidade, o ecoturismo nascente é prejudicado, deixamos o solo exposto à erosão e a alterações irreversíveis, sem contar a simplificação da biodiversidade". Segundo Travi, os campos não têm uma biodiversidade tão alta como as florestas, mas nem por isso são menos importantes, já que abrigam uma fauna específica, dependente da diversidade de gramíneas. "Embora pouco valorizados, os ecossistemas de gramíneas são complexos e sua simplificação - com a transformação em monoculturas, de pinus ou culturas como batata e alho - quebra a cadeia alimentar". O florestamento dos campos com pinus é mais nocivo, devido às substâncias químicas excretadas pelas árvores, que inviabilizam a germinação das espécies nativas (alelopatia), e à facilidade com que se espalham as sementes - pequenas e aladas - que invadem a beira de estradas e áreas não plantadas. A riqueza dos campos também diminui com o uso sistemático do fogo. "Existem cerca de 600 espécies de gramíneas e 200 de leguminosas forrageiras conhecidas no Rio Grande do Sul, mas o uso freqüente do fogo elimina boa parte delas, causando o que chamamos de erosão genética", prossegue Estivalet. A entidade por ele dirigida, Assecan, realizou várias oficinas para apresentar aos pecuaristas alternativas ao fogo, que destrói, em especial, as espécies com florescimento ou rebrota no fim do inverno, quando as queimadas para renovação de pastagens são mais intensas. A alternativa sugerida é fazer o manejo das pastagens através de piquetes ou promover seu enriquecimento com outras variedades de forrageiras, evitando a perda de fertilidade do solo e perda de biodiversidade por excesso de fogo. "Os pecuaristas entendem muito de gado, um pouco de pastagens e nada de solos", diz Estivalet. Divulgação O gado franqueiro, usado no Brasil Colônia - sobreviveu solto e passou por seleção natural, adquirindo grande resistência. Além de chamar atenção para os campos, a campanha ainda inclui o resgate histórico dos sítios arqueológicos situados no antigo Caminho das Tropas - sobretudo de cerca de mil cavidades subterrâneas, modificadas e habitadas por índios - e a preservação do gado franqueiro, a primeira raça de bovinos trazida pelos portugueses para o Brasil Colônia, cuja característica mais conhecida são os imensos chifres (ou guampas, como preferem os gaúchos). Esta primeira cavalgada começa na fazenda Faxinal, onde Sebastião Fonseca preserva 50 cabeças de franqueiro puro, e termina em Igrejinha, onde existem outras 110 cabeças. "Esta raça era usada já no tempo das missões jesuíticas e foi abandonada quando se começou a importar gado melhorado", conta Tânia de Azevedo Weimer, especialista em genética de populações e animais domésticos da UFRGS. "Alguns rebanhos soltos sobreviveram sozinhos em uma região de campos muito pobres em nutrientes e, numa seleção sem a interferência do homem, adquiriu grande variabilidade genética". Tânia estuda os marcadores de DNA do gado franqueiro, do qual se estima restarem um total de apenas 500 cabeças, no Brasil. Ela já encontrou alelos (formas alternativas de genes) nunca descritos em bovinos. Como se trata de uma raça muito resistente, este diferencial genético pode ser valioso no melhoramento dos rebanhos comerciais, de corte e leite.

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