Cientistas conseguem editar genoma de embrião humano para evitar doença hereditária

Pesquisadores americanos usaram técnica de edição genética para corrigir mutação causadora de problema cardíaco hereditário

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Por Fabio de Castro e Herton Escobar
Atualização:
A imagem mostra blastômeros - estruturas resultantes da divisão celular durante odesenvolvimento embrionário - dentro dos embriões, dois dias após a fertilização; depois da edição do gene mutante e do consequente processo de reparo durante a fertilização, os cientistas mostraram que cada nova célula dos embriões estava completamente livre da mutação causadora de uma doença cardíaca hereditária. Foto: OHSU

Pesquisadores inauguraram nesta quarta-feira, 2, uma nova era da ciência e da bioética aplicada à reprodução humana, com a comprovação de que é possível corrigir falhas no DNA de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e, dessa forma, impedir a transmissão de doenças genéticas hereditárias.

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A notícia, que havia vazado na semana passada, foi confirmada com a publicação de um trabalho na revista Nature. O estudo, realizado nos Estados Unidos, utilizou uma técnica conhecida como Crispr-Cas9 (ou simplesmente Crisper) para editar o DNA de embriões humanos e corrigir uma mutação associada ao risco de falência cardíaca e morte súbita. 

Os embriões foram gerados por fertilização in vitro, para fins de pesquisa, utilizando células de doadores. Foram destruídos após três dias e não chegaram a ser implantados – até porque não há autorização legal para isso. Não há razão técnica, porém, pela qual eles não poderiam desenvolver-se normalmente caso fossem transferidos para um útero, provocando uma série de questionamentos éticos sobre um possível uso eugênico da tecnologia, para a produção de bebês com características específicas, não relacionadas à cura de doenças.

“Provamos que esse método de correção genética em embriões é seguro e pode ser potencialmente usado para prevenir a transmissão de doenças genéticas para futuras gerações”, disse a pesquisadora Paula Amato, da Universidade de Saúde e Ciências do Oregon, em uma coletiva internacional de imprensa. Ela enfatizou, porém, que “mais pesquisas e discussões éticas são necessárias antes de proceder para testes clínicos” da tecnologia. “Ainda há um longo caminho pela frente”, disse Sanjiv Kaul, outro coautor do trabalho.

Tecnologia. Inventada há apenas cinco anos, a Crisper se tornou uma tecnologia revolucionária quase que instantaneamente. Ela permite fazer modificações genéticas de forma muito precisa, por meio da combinação de uma “sequência guia” de material genético associada a uma enzima especial (a Cas9), que corta o DNA em pontos específicos do genoma. 

Com isso é possível desligar genes ou, como foi feito de forma pioneira neste estudo, “desfazer” uma mutação, induzindo o genoma a se reconstruir da forma correta após o corte.

O gene corrigido neste caso foi o MYBPC3, responsável pela síntese de uma proteína envolvida no controle do músculo cardíaco. Quando mutado, ele causa cardiomiopatia hipertrófica, uma doença hereditária que pode causar morte súbita, presente no DNA de 1 em cada 500 pessoas no mundo.

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Os pesquisadores usaram espermatozoides de um portador da mutação para fertilizar óvulos e utilizaram a Crisper para corrigir o defeito genético desde o início do desenvolvimento embrionário. A ideia é que isso possa ser usado para aumentar o número de embriões saudáveis disponíveis para casais portadores de doenças genéticas, em combinação com a técnica de diagnóstico genético pré-implantacional, que permite identificar se um embrião gerado por fertilização in vitro tem a mutação ou não.

Ética. Segundo Kaul, caberá às agências reguladoras determinar os limites éticos do uso da tecnologia, definindo o que pode ou não ser mexido no DNA dos embriões. São conhecidas mais de 10 mil doenças monogênicas, causadas por mutações em um único gene, e a técnica, teoricamente, poderia ser usada em qualquer uma delas.

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