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Macacos são ensinados a controlar cadeira de rodas com a mente

Em experimento liderado por Miguel Nicolelis, sinais são enviados ao dispositivo por meio de eletrodos implantados no cérebro

Por Fabio de Castro
Atualização:
Monitor mostrando os sinais cerebrais de um macaco rhesus envolvido no estudo Foto: Shawn Rocco / Duke Health

Uma equipe de neurocientistas liderada pelo brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, conseguiu fazer com que dois macacos controlassem uma cadeira de rodas robótica usando apenas a mente, por meio de eletrodos implantados nos cérebros.

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Quando os animais "pensavam" em se mover em direção a um recipiente com uvas, computadores traduziam sua atividade cerebral em operações da cadeira robótica, em tempo real, permitindo que eles se movessem em direção a seu objetivo.

O dispositivo usado no experimento foi descrito em artigo publicado na revista Scientific Reports nesta quinta-feira, 3. De acordo com os autores, esse tipo de técnica, que utiliza implantes eletrônicos intracranianos, pode ser utilizada para ajudar no futuro a restaurar a mobilidade de pacientes com problemas graves.

O experimento é o último desenvolvimento da tecnologia de interface cérebro-máquina (ICM), estudada há anos pela equipe de Nicolelis. Em 2014, o cientista fez uma demonstração de uma ICM na abertura da Copa do Mundo, em São Paulo: um jovem paraplégico utilizou um exoesqueleto controlado por sinais cerebrais para chutar uma bola no estádio.

Mas, ao contrário do ICM utilizado no novo experimento, que emprega implantes no cérebro, o exoesqueleto era controlado por eletrodos instalados sobre o couro cabeludo, um sistema batizado de eletroencefalografia externa (EGG).

"Para algumas pessoas com deficiências muito graves, mesmo piscar é impossível. Para eles, utilizar uma cadeira de rodas ou um aparato controlado por tecnologias não-invasivas como um EEG pode não ser suficiente. Nós mostramos claramente que se você tiver um implante intracraniano, você conseguirá controlar melhor uma cadeira de rodas do que com equipamentos não invasivos", disse Nicolelis.

Diversos grupos de pesquisa, incluindo o de Nicolelis, já desenvolveram ICMs que permitem aos primatas usar sua atividade do córtex cerebral para controlar membros artificiais. Mas até agora os cientistas não haviam demonstrado ser possível usar apenas a atividade cerebral para "navegar" por um espaço com uma ICM.

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Para realizar o experimento, os cientistas implantaram conjuntos de microeletrodos que permitem registrar à distância a atividade do córtex cerebral. A ICM utilizou os registros simultâneos dos sinais de centenas de neurônios localizados em duas regiões do cérebro dos macacos associadas aos movimentos e sensações.

Na primeira parte do experimento, cada macaco se sentava em uma cadeira de rodas que era programada para percorrer um caminho de cerca de dois metros até um recipiente com uvas. O exercício foi repetido 30 vezes a partir de três diferentes posições de partida.

Durante o processo, a atividade cerebral dos macacos foi registrada, permitindo que os pesquisadores estabelecessem a correlação entre os sinais dos neurônios e diferentes movimentos da cadeira de rodas. Segundo Nicolelis, dessa maneira os algoritmos foram treinados para mapear a atividade cerebral ligada a uma determinada trajetória.

Usando a informação obtida na primeira parte do experimento, os cientistas reverteram o processo, fazendo com que o sistema computacional captasse os sinais cerebrais dos macacos, transformando-os em comandos para movimentar a cadeira de rodas.

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O experimento mostrou também que os macacos aprendiam a controlar melhor a cadeira de rodas à medida que repetiam o percurso, ao longo de seis semanas. "À medida em que os macacos aprendiam a controlar a cadeira de rodas apenas pensando, eles ficaram mais eficientes na navegação até as uvas e completavam os testes mais rápido", disse Nicolelis. Um dos macacos levava, no início do experimento, 43 segundos para completar a tarefa. No fim, o mesmo macaco levava pouco mais de 27 segundos para alcançar as uvas.

Ajuste fino. Os cientistas também descobriram que depois de aprender a controlar a cadeira de rodas, os macacos apresentavam modificações nos padrões de atividades de seus neurônios, em comparação ao que haviam sido registrados quando eles eram apenas passageiros da cadeira de rodas com movimento programado.

Observando os sinais cerebrais que correspondem aos movimentos de rotação e translação, os cientistas descobriram, ainda, evidências de que os cérebros dos primatas se tornaram mais ajustados à distância entre a cadeira de rodas e o recipiente de uvas.

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"Esse sinal não estava presente no início do experimento, mas foi algo que emergiu como um efeito da maior eficiência dos macacos para cumprir suas tarefa. Isso foi uma surpresa e demonstra que o cérebro tem uma enorme flexibilidade para assimilar um equipamento - neste caso uma cadeira de rodas - e as relações espaciais desse equipamento com o mundo em torno dele", afirmou Nicolelis.

Os testes mediram a atividade de cerca de 300 neurônios em cada um dos dois macacos. O laboratório de Nicolelis já havia relatado antes que tem capacidade para registrar os sinais de até 2 mil neurônios usando a mesma técnica. "Esperamos agora expandir o experimento registrando mais sinais neuronais para continuar a aumentar a precisão e a fidelidade da ICM em primatas, antes de tentarmos testes com um implante cerebral em humanos", afirmou.

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