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Cientistas investigam nuvens amazônicas

Estudo inédito vai ao limite da estratosfera para descobrir como as chuvas se formam

Por Fabio de Castro
Atualização:

SÃO PAULO - Pesquisadores brasileiros coordenam um esforço internacional para investigar os mecanismos físicos de formação de nuvens e de chuva, algo que a ciência ainda está longe de compreender totalmente. Para isso, decidiram estudar o interior das imensas massas de nuvens que se acumulam sobre a Amazônia e, por suas características especiais, influenciam o clima do continente.

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Um recurso inédito foi usado para viabilizar o estudo: os cientistas trouxeram ao Brasil um avião a jato da Agência Aeroespacial Alemã e uma aeronave americana (ambos de uso científico), equipados com sensores de alta tecnologia e capazes de examinar pela primeira vez a estrutura molecular das gotas de chuva e gelo dentro das nuvens. 

Segundo líderes do projeto – Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), e Luiz Augusto Machado, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – foram feitos em setembro 14 voos sobre a Amazônia para coletar dados a uma altitude de 18 quilômetros, limite da estratosfera. Trabalhos anteriores haviam usado, no máximo, aviões Bandeirante, que voam a 4 quilômetros do solo e, por isso, não conseguem estudar a física das nuvens convectivas (que se desenvolvem verticalmente). 

Voando a 600 km/h, o avião alemão conseguiu enxergar o que há entre as microscópicas gotas de chuva e partículas de gelo no meio das nuvens. Segundo Artaxo, a coleta de dados nessa altitude, sem precedentes, proporcionou dados científicos importantes para aprimorar os modelos climáticos.

“Como se formam as gotas de chuva no interior das nuvens? Como se inicia e termina o processo de precipitação? Como a poluição influencia o ciclo de chuvas? Para onde está indo o vapor d’água emitido pela Amazônia nos últimos meses, que não se transformou em chuvas em São Paulo? Estamos tentando responder questões como essas”, explicou Artaxo. 

Conhecimento. Os trópicos, de acordo com o pesquisador, correspondem ao principal núcleo de produção de vapor de água no planeta e as nuvens profundas, como as da Amazônia, são fundamentais no sistema climático global. 

O conhecimento limitado que se tem dos processos que regulam a redistribuição de água no planeta e a formação da precipitação na Amazônia, segundo o cientista, explica por que é tão difícil que os modelos meteorológicos façam previsões confiáveis de chuvas. “As previsões até acertam razoavelmente as temperaturas. Mas não conseguimos saber o quanto vai chover. Por isso, ocorrem inundações enormes que nenhum modelo prevê.” O experimento nas alturas será crucial para aprimorar esses modelos, segundo ele.

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A pesquisa também ajudará a entender a dinâmica das nuvens amazônicas nas chuvas da América do Sul. Todos os dias, as árvores da Amazônia enviam para a atmosfera cerca de 20 bilhões de litros de água que extraem das profundezas do solo – volume hídrico cerca de 15% maior que a vazão do Rio Amazonas. Esses enormes fluxos de água, apelidados de “rios voadores”, viajam pelo ar e encontram uma barreira na Cordilheira dos Andes, provocando chuvas no sul do continente.

De acordo com Machado, ao voar no interior das nuvens medindo as gotas, cristais e partículas microscópicas, o avião auxiliará ainda os radares meteorológicos, deixando um legado para os pesquisadores brasileiros. 

“Esses radares nunca foram calibrados para as condições brasileiras. As características termodinâmicas da atmosfera na Europa e Estados Unidos são muito diferentes e a quantidade de água bem menor que na Amazônia. Vamos desenvolver um modelo para as nuvens brasileiras”, disse Machado.

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