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Cientistas reconstituem rosto de homem que viveu há 2 mil anos no Rio

Ancestral dos atuais cariocas era baixinho, vivia perto da praia e tinha pele morena, com características indígenas

Por Roberta Jansen
Atualização:

RIO - Ele viveu em Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro, em uma região de mangue bem próxima da praia. Alimentava-se de peixes e, provavelmente, fosse também um remador. Esse carioca típico de 2 mil anos atrás tinha cabelos longos, feições indígenas e era bem queimado de sol. Pelo menos é o que garantem os pesquisadores que apresentaram nesta quinta-feira, 22, no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos mais antigos habitantes do Rio: Ernesto.

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Carioca.A reconstrução foi feita a partir de um esqueleto achado em Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro Foto: Museu Nacional/UFRJ

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Trata-se, na verdade, da primeira reconstrução facial digital em 3D de um crânio humano carioca. O trabalho foi feito com base em um fóssil achado na região de Guaratiba na década de 1980 por pesquisadores do Museu Nacional. E o nome foi uma homenagem a Ernesto de Salles Cunha (1907-1977), um dos mais importantes pesquisadores da paleologia brasileira.

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"Buscamos, entre os esqueletos que tínhamos no museu, aquele mais bem preservado para fazer a reconstrução", afirmou o bioarqueólogo Murilo Bastos, do Museu Nacional, um dos responsáveis pelo projeto.

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Bastos explicou que o objetivo é, justamente, criar empatia junto à população em relação a seus antepassados.

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"A ideia era dar um rosto para esses povos antigos do Rio, anteriores mesmo aos índios tupinambás, para as pessoas entenderem a importância da preservação dos sítios arqueológicos."

O fóssil foi encontrado no sítio arqueológico Sambaqui Zé do Espinho. Os sambaquis são estruturas feitas por conchas e outros materiais pelos povos que habitavam o litoral entre 8 mil e 1 mil anos atrás, aparentemente para intenções de sepultamento. O esqueleto escolhido pertencia a um homem, de aproximadamente 38 anos de idade, bem baixinho para os padrões atuais: ele teria entre 1,4 m e 1,5 m de altura.

"Os ossos revelam muitas coisas sobre ele", conta Bastos. "Os membros superiores apresentam mais artrose, mais desgaste, indicando uma atividade física mais intensa; não tem como ter certeza, mas como ele vivia numa região de mangue, é possível que remasse muito."

A ausência de cáries também revela pistas importantes sobre seus hábitos alimentares. Ernesto de Guaratiba era um caçador-coletor, que se alimentava da caça de pequenos animais e da pesca. 

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"Era uma dieta pobre em carboidratos, o que explica a ausência de cáries", explicou Bastos.

A reconstrução do rosto em 3D foi mais complexa. 

"Nós usamos a técnica da fotogrametria, que consiste em tirar diversas fotos do crânio, em diversos ângulos. Processando essas imagens, cheguei ao modelo 3D virtual do crânio", explicou o pesquisador Paulo Miamoto, especialista em anatomia e odontologia legal da Universidade de São Leopoldo Mandic, em Campinas. "Fazendo uma espécie de engenharia reversa, com base na anatomia do crânio, vamos reposicionando as estruturas anatômicas, músculos, cartilagens." 

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Por fim, o conjunto é recoberto por pele virtual. "Para fechar o processo, usamos informações fornecidas pelo contexto, pela arqueologia, com base nas informações que dispomos: sabemos que praticava atividade física, que vivia ao ar livre, então devia ser bem bronzeado", exemplificou.

O cabelo escuro e liso remete ao que seria o padrão entre os ancestrais dos indígenas do litoral. E o comprimento dos fios, na altura dos ombros?

"Ah, isso foi uma licença poética mesmo", admite Bastos.