Demanda pelo veneno psicodélico deste sapo está crescendo. Alguns alertam que isso é ruim para ele

Substância alucinógena encontrada no veneno do animal tem sido usada para curar ansiedade, depressão e estresse, mas versão sintética da droga tem encontrado resistência entre alguns adeptos

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Por Simon Romero
Atualização:

TUCSON, Arizona — Depois de várias missões de combate como fuzileiro da Marinha, Marcus Capone tentou terapia da fala, clínicas de lesão cerebral, medicamentos prescritos. Nada funcionou para aliviar sua depressão e ansiedade incapacitantes. Então ele fumou o veneno do sapo do deserto de Sonora.

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"Entendi por que as pessoas chamam a substância de Molécula de Deus quando consegui fazer uma redefinição completa do sistema nervoso central", disse Capone, 45 anos, que agora administra uma organização sem fins lucrativos com sua esposa para ajudar centenas de outros veteranos das Operações Especiais a ter acesso à medicina dos sapos.

Aproveitando a onda de maior aceitação dos psicodélicos para o tratamento de vícios e transtornos mentais, uma crescente indústria de retiros está divulgando o potencial das secreções do sapo. Para consumir o veneno, as pessoas pagam de US$ 250 por uma cerimônia na floresta do leste do Texas até US$ 8.500 por um cenário mais luxuoso à beira-mar em Tulum, no México.

Veneno coletado do sapo do deserto de Sonora é usado fins terapêuticos, recreativos ou espirituais Foto: Adam Riding / The New York Times

Mas, em um sinal das consequências não intencionais do ressurgimento psicodélico, os cientistas estão alertando que a luta dos usuários para obter os sapos – com caça ilegal, colheita excessiva e tráfico ilegal nos trechos áridos da fronteira com o México – pode desencadear um colapso nas populações do sapo do deserto de Sonora.

Os apóstolos da medicina dos sapos agora estão cada vez mais divididos entre aqueles como Capone, que apoiam o uso de versões sintéticas que são fáceis de produzir, e os puristas, que dizem que nunca vão parar de usar o veneno coletado dos próprios sapos. Enquanto os gerentes de retiros adaptam as experiências para fins terapêuticos, recreativos ou espirituais, as discussões sobre as ameaças ao sapo estão ficando cada vez mais controversas.

"Somos uma igreja, e isso é medicina sagrada", disse Brooke Tarrer, 42 anos, ex-professora do Texas que em 2015 fundou a Universal Shamans of the New Tomorrow, que faz do consumo do veneno de sapo um traço central de suas práticas.

Tarrer, cuja igreja em Huntsville, Texas, cobra US$ 250 por uma cerimônia de veneno, posicionou-se contra o que chamou de "gente do movimento verde" que quer proteger o sapo. "Nós nunca vamos recorrer aos sintéticos", acrescentou ela.

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Acredita-se que o próprio sapo, encontrado principalmente no deserto de Sonora, que abrange partes do sudoeste dos Estados Unidos e noroeste do México, já foi extinto na Califórnia, onde não é encontrado na natureza há décadas. As autoridades do Novo México o listam como espécie ameaçada, citando a coleta excessiva entre os fatores de risco.

O sapo do deserto de Sonora ainda pode ser encontrado em regiões do Arizona e Sonora, no noroeste do México. Um dos maiores sapos nativos da América do Norte e de vida notavelmente longa, podendo alcançar 20 anos de idade, o sapo de Sonora hiberna no subsolo durante a maior parte do ano, ressurgindo para se reproduzir durante as chuvas de verão.

Herpetologistas dizem que o sapo parece ter se adaptado a paisagens modificadas pelo homem, como valas de irrigação, quintais suburbanos e tanques de água em fazendas de gado. Mas os riscos são muitos. Atropelamentos por carros já matam muitos sapos, e predadores como os guaxinins também os atacam.

Toxina expelida pelo sapo produz uma experiência psicodélicaque geralmente dura de 15 a 30 minutos Foto: Go Nakamura / The New York Times

Quando o sapo está ameaçado, ele excreta toxinas fortes o suficiente para matar cães adultos. Uma substância encontrada nessas toxinas, 5-MeO-DMT, pode ser secada até virar cristais e fumada com cachimbo, produzindo uma experiência intensa que geralmente dura de 15 a 30 minutos – em contraste com outras substâncias psicodélicas que podem envolver horas de alucinações e vômitos.

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O 5-MeO-DMT continua sendo efetivamente ilegal nos Estados Unidos. Mas, mesmo que muitos usuários optem por participar de retiros no México, onde a substância é legal, cerimônias também vêm ocorrendo em solo americano, onde as agências de aplicação da lei estão tolerando sua crescente popularidade.

De Chelsea Handler a Joe Rogan, várias celebridades já fumaram o veneno, comumente chamado de Five ou Bufo (por causa do antigo nome científico do sapo, Bufo alvarius, depois renomeado como Incilius alvarius). À medida que os pesquisadores começam a investigar a segurança do 5-MeO-DMT, também estão surgindo relatos de experiências adversas.

Por exemplo, um fotógrafo morreu depois de fumar o veneno na Espanha, em 2020. Alguns retiros têm paramédicos de prontidão para ajudar as pessoas que podem ter reações negativas.

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Ainda assim, o interesse no Bufo está aumentando, com os usuários muitas vezes chamando-o de "molécula de Deus", comparando seu uso a uma experiência religiosa.

Bernice Anderson, 50 anos, que atende pelo nome maia Ixca e cobra US$ 1.100 por retiros em Utah, disse que fumar Bufo permite que algumas pessoas sintam que estão morrendo para depois retornar à vida.

"As pessoas espumam pela boca e seus olhos rolam para trás da cabeça", disse Anderson, que não usa 5-MeO-DMT sintético. "É nesse ponto que entra a experiência xamânica. É uma coisa que precisa ser feita com muito cuidado."

Ainda assim, a crescente demanda pelo veneno do sapo do deserto de Sonora está fazendo soar o alarme. Robert Villa, presidente da Sociedade Herpetológica de Tucson, comparou as ameaças com aquelas enfrentadas pelas tartarugas asiáticas, que correm riscos de extinção devido à perda de habitat e à crença de que curam doenças como o câncer.

"Há uma percepção de abundância, mas quando você começa a remover um grande número de espécies, os números vão desmoronar feito um castelo de cartas em algum momento", disse Villa.

Alguns alertam que coletar o veneno também causa estresse no sapo, um processo muitas vezes descrito como "ordenha", no qual uma pessoa aperta o anfíbio sob o queixo para iniciar uma resposta defensiva. O sapo então libera uma substância leitosa que pode ser raspada, seca e fumada.

Buscando atender a demanda, alguns proponentes começaram a criar fazendas com centenas ou mesmo milhares de sapos. Mas Villa também alertou que esses locais podem se tornar vetores de surtos do fungo quitrídio, um patógeno que pode devastar anfíbios. Os predadores também podem atacar esses locais, disse ele, como coiotes fizeram na Califórnia em lugares onde são criadas tartarugas do deserto. Relatos de caça furtiva também preocupam os defensores dos sapos.

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Enquanto isso, um número crescente de herpetologistas e pesquisadores de drogas psicodélicas está citando estudos que mostram que a forma sintética, que é relativamente fácil de produzir, ajudou a aliviar os sintomas de depressão, ansiedade e estresse.

Ao contrário de outros psicodélicos como o peiote ou a ayahuasca, que se baseiam em séculos de tradições de povos indígenas, acredita-se que o uso de Bufo seja mais recente.

Os farmacologistas sabiam que o sapo do deserto de Sonora podia produzir 5-MeO-DMT, mas foi só em 1983 que Ken Nelson, um artista recluso que vivia em uma base de mísseis desativado no norte do Texas, foi até o deserto de Sonora, ordenhou um sapo, secou o veneno no para-brisa de sua van e o fumou.

Um panfleto que ele escreveu sob o pseudônimo de Albert Most circulou na cena underground de entusiastas psicodélicos.

"Esta talvez seja a história de origem", disse Alan Davis, diretor do Centro de Pesquisa e Educação de Drogas Psicodélicas da Universidade Estadual de Ohio.

Ainda assim, algumas das figuras mais influentes da cena Bufo promoveram conexões indígenas. O Dr. Octavio Rettig, um médico de Guadalajara, México, disse que introduziu o veneno ao povo Seri no noroeste do México em 2011 em uma tentativa de combater o vício em metanfetamina.

"Depois que receberam a substância, eles começaram a montar o quebra-cabeça", disse Rettig, 43 anos, citando o que acredita ser um resgate das "tradições perdidas" dos Seri. "Eles reconheceram os benefícios do remédio do sapo."

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Agora, a comunidade Seri oferece Retiros Bufo onde se consome o veneno do sapo. Ao mesmo tempo, pessoas que pressionam por proteções para o sapo argumentam que a promoção de conexões indígenas pode ter efeitos desastrosos ao esgotar ainda mais as populações de sapos.

"As pessoas anseiam pela narrativa de que o sapo foi usado ancestralmente pelos indígenas de Sonora", disse Ana Maria Ortiz, estudante de doutorado que está realizando um estudo populacional sobre o sapo na Escola de Ecologia Humana da Universidade de Wisconsin. "Essa narrativa tem um apelo. No começo, até eu acreditei nela."

Ortiz, que usou o Bufo para ajudar as pessoas a superar vícios, disse estar ciente de que alguns usuários céticos em relação à forma sintética descrevem um "efeito de entourage" envolvendo outros compostos nas secreções naturais do sapo.

"Muitos dos outros compostos nas toxinas são, na verdade, glicosídeos cardíacos que podem matar você", disse Ortiz. "O 5-MeO-DMT sintético é tão bom quanto. As pessoas precisam deixar os sapos em paz."

O Dr. Gerardo Sandoval, outro médico mexicano envolvido na apresentação do Bufo a novos praticantes, comparou a versão sintética a "assistir a um filme em preto e branco".

"Veneno de sapo é assistir ao filme em 3D", acrescentou Sandoval, dono de uma fazenda em Sonora, onde cria os sapos e cobra US$ 500 por uma cerimônia.

Ainda assim, Sandoval disse que depender do sapo envolve riscos. Em um incidente no verão passado, disse ele, intrusos roubaram centenas de sapos adultos de seu rancho.

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As brigas em torno do 5-MeO-DMT podem estar apenas começando, já que os pioneiros do Bufo também enfrentam acusações de abuso. Participantes de um grupo no Facebook destacaram alegações de manipulação psicológica e estupro contra Sandoval; ele nega as acusações. Rettig foi criticado pelas mortes de pessoas que participaram de cerimônias de Bufo.

Rettig reconheceu que as mortes ocorreram, mas apontou para outros problemas de saúde preexistentes, como problemas cardíacos.

"Sou médico", disse Rettig, que estimou ter trabalhado com milhares de pessoas tomando Bufo. "Só um louco pode esperar que ninguém vai sofrer nenhum efeito colateral."

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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