Depois de filmar eclipse a 30 km de altitude, brasileiros sonham mais alto

Aliados, astrônomos amadores, estudantes e cientistas de  universidades do Brasil e dos Estados Unidos  registraram pela primeira o fenômeno em 360° a partir da estratosfera; agora grupo quer mais parcerias e novos projetos

PUBLICIDADE

Por Fabio de Castro
Atualização:

O sucesso de uma missão internacional de divulgação cientifica que reuniu astrônomos amadores, estudantes de engenharia aeroespacial e cientistas profissionais de universidades do Brasil e dos Estados Unidos, mostrou o caminho para que um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) aprimorasse seu principal projeto: desenvolver o primeiro balão geoestacionário de grande altitude, que poderá ter aplicações em georreferenciamento, agricultura, ciência espacial, meteorologia e outras áreas.

Em agosto de 2017, durante o eclipse total do Sol que cruzou a América do Norte, quatro astrônomos amadores do Clube de Astronomia de Brasília (CAsB), professor de Engenharia Elétrica Renato Borges e três de seus alunos na UnB viajaram para Rexburg, no estado americano de Idaho, para realizar um feito único: registrar o eclipse em 360 graus, a partir de um balão estratosférico a 30 quilômetros de altitude. 

Em Rexburg, nos Estados Unidos, o grupo brasileiro se prepara para lançar o balão estratosférico; minutos depois ele faria as primeiras imagens em 360 graus de um eclipse. Foto: Projeto LAICAnSat-UnB / Missão Kuaray

PUBLICIDADE

A missão foi realizada em parceria com as universidades de Montana e North Dakota (Estados Unidos) e financiada por um programa da Nasa. Selecionados para o projeto, os brasileiros foram aos EUA financiados por crowdfunding - uma espécie de "vaquinha" virtual. A aventura rendeu um vídeo "full dome" de divulgação científica, que será exibido em planetários e abriu caminho para diversas parcerias científicas.+++As fotos mais fantásticas do eclipse solar "A ideia do projeto do eclipse era dar uma experiência internacional aos alunos, que é muito importante na área de pesquisa, e fazer divulgação científica. Mas acabamos fazendo uma nova parceria com a Universidade de Montana para desenvolver nossa plataforma para um balão estacionário", disse Borges ao Estado.

"Enquanto isso, estamos aperfeiçoando um sistema inédito de pouso para esse tipo de balão", disse o pesquisador. Segundo ele, o primeiro teste foi realizado no último sábado, 16. "O projeto começou a sair do papel e das simulações para levantar voo de verdade", afirmou o professor Borges, que é coordenador do projeto LAICAnSat, do Laboratório de Aplicação e Inovação em Ciências Aeroespaciais (Laica). 

+++O Eclipse do Século … nos EUA!

Segundo Borges, a proposta de viajar para fazer o registro do eclipse foi feita pelo CAsB. O professor encampou a ideia e acionou seus parceiros das universidades americanas. A Universidade de Montana, que fazia parte do projeto "Eclipse Ballooning Projetct", da Nasa, cedeu os balões, o gás combustível e o apoio logístico para que a equipe brasiliense lançasse sua plataforma. A viagem foi batizada como missão Kuaray.

Laboratório nas alturas. A equipe brasileira foi uma das 55 envolvidas no projeto da Nasa, que lançou 34 balões estratosféricos com a meta de realizar experimentos e filmar o eclipse. Esses balões de látex chegam a mais de 30 mil metros - cerca de três vezes a altitude de um avião comercial - e atingem a estratosfera, em temperaturas de até 40 graus negativos e pressão 100 vezes menor que a do nível do mar. Eles são usados para enviar plataformas de pesquisa à estratosfera, funcionando como laboratórios em grandes altitudes, onde são realizados experimentos que não seriam possíveis na Terra, com custo mais baixo que o das missões espaciais. 

Publicidade

A plataforma da equipe da UnB foi testada com o envio de uma câmera especial capaz de filmar o eclipse em 360 graus, enquanto é desenvolvida para diferentes aplicações.

O professsor Renato Borges, coordenador do projeto LAICAnSat, da UnB,obsreva um dos protótipos da plataforma impressa em 3D que foi utilizada para filmar o eclipse na estratosfera. Foto: Projeto LAICAnSat-UnB / Missão Kuaray

"A missão foi um marco para nós, porque não havíamos feito nada tão completo. Todos os lançamentos que havíamos feito no Brasil envolviam basicamente um processo para gerar um pequeno protótipo da nossa plataforma científica, utilizada para experimentos em grande altitude", afirmou Borges. 

De acordo com o professor, os resultados da missão também geraram um artigo científico que foi apresentado em março, nos Estados Unidos, na conferência do Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), a principal associação de engenharia do mundo.

Conhecimento compartilhado. O presidente do CAsB, Augusto Ornella,  destacou que até a missão Kuaray, diversos eclipses já haviam sido filmados a partir de balões estratosféricos, mas não em 360 graus. Os astrônomos amadores ajudaram em toda a montagem e preparação para o lançamento.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

"Foi muito interessante para todos. Nós, como astrônomos amadores, tivemos contato com a academia e pudemos acompanhar de perto o desenvolvimento da tecnologia, dos circuitos e dos softwares da plataforma. Enquanto isso, o pessoal da academia teve a oportunidade de compreender melhor a parte prática da observação do eclipse, na qual temos muita experiência", disse Ornella. Os membros do CAsB acompanham de perto todos os eclipses totais do Sol, segundo Ornella. "Já estamos nos preparando para o próximo, que acontecerá em julho de 2019, na Argentina", disse.

De acordo com Ornella, a cooperação do CAsB com a UnB passou a ser contínua. "Estamos sempre dispostos a colaborar com eles. Agora. estamos mediando o contato com um diretor de cinema, colega nosso, que transformará esse material em um filme em realidade virtual para ser exibido em atividades de divulgação científica e planetários."

Segundo Ornella, a astronomia é uma das ciências que contam com maior interação entre profissionais e amadores. Os profissionais têm conhecimento profundo e acesso a instrumentos científicos sofisticados, mas para utilizar os grandes telescópios por apenas algumas horas é preciso ter um projeto aprovado - e competir por tempo com outros astrônomos.

Publicidade

"Muitas vezes eles não têm o tempo disponível para acompanhar um fenômeno de longa duração, ou que precise ser acompanhado por um ano inteiro, por exemplo. Nós temos instrumentos menores, mas eles ficam à nossa disposição o tempo todo. Além disso, estamos espalhados por todo o planeta, incluindo as áreas menos cobertas pelos grandes telescópios, como o hemisfério Sul. Depois de fazer nossas observações, entregamos tudo para a análise dos profissionais - e por isso há tantas descobertas de amadores", disse Ornella.

Além de Borges e Ornella, a equipe que viajou aos Estados Unidos foi composta pela aluna de mestrado Lorena Tameirão, pela estudante de engenharia mecatrônica Stephanie Guimarães, pelo aluno de engenharia aeroespacial Matheus Filipe - todos da UnB - e pelos membros do CAsB Marcelo Domingues, Arthur Svidzinski e Sérgio Rodrigues.

Após o eclipse, em Rexburg (EUA), o grupo brasileiro comemora o sucesso da missão: da esquerda para a direita, Arthur (CAsB), Marcelo (CAsB), Matheus (UnB), Stephanie (UnB), Renato (UnB), Lorena (UnB), Augusto (CAsB) e Sérgio (CAsB). Foto: Projeto LAICAnSat-UnB / Missão Kuaray

Plataforma versátil. Segundo Borges, a plataforma científica tem o mesmo padrão de um cubesat - termo que remete às palavras "cubo" e "satélite" em inglês -, um tipo de satélite miniaturizado que é amplamente utilizado para pesquisas espaciais acadêmicas. Cada unidade é um cubo de 10 centímetros de lado, que pode ser combinado de forma modular para carregar vários experimentos. 

No caso da missão Kuaray, a plataforma carregou a câmera de 360 graus. "Foi um ótimo teste. A plataforma também pode ser utilizada para prestar ou complementar serviços de telecomunicaçoes e transmissão de dados, por exemplo", explicou Borges.

O sucesso animou o pesquisador e seus alunos, que têm o sonho de utilizar sua plataforma em um balão estratosférico estacionário - isto é, que se mantêm fixo sobre um ponto específico da Terra - que teria um número ainda maior de aplicações. Mas a tarefa não é fácil.

"O próximo passo é projetar um sistema para o retorno da plataforma, que é a maior dificuldade das missões com balões. Depois de chegar em grande altitude, a baixa pressão faz o balão estourar e a plataforma cai com um paraquedas. Em todas nossas missões utilizamos um paraquedas redondo, que reduz o impacto, mas tema navegabilidade muito baixa. Queremos desenvolver um perfil aerodinâmico para que possamos prever com precisão a trajetória do voo e o local do pouso", explicou.

Depois da missão Kuaray, Borges estabeleceu um novo convênio com a Universidade de Montana para o desenvolvimento da válvula que permitirá a flutuação do futuro balão estacionário. "Já estamos trabalhando juntos desde o fim do ano passado. A missão nos permitiu vislumbrar novos usos e aplicações da nossa plataforma para o mercado. E essa experiência nos mostrou que, apesar de tudo, não é uma realidade muito distante da nossa."

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.