Doença revela risco de contaminação na Grande SP

Para médica, índice alto de tireoidite perto de pólo industrial pode estar relacionado a poluição

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Por Agencia Estado
Atualização:

Moradores de cinco bairros na confluência dos municípios de Santo André, Mauá e São Paulo apresentam alto índice de tireoidite de Hashimoto, doença auto-imune que destrói a glândula tireóide, responsável pela produção de hormônios vitais para o ser humano. A denúncia é da endocrinologista Maria Ângela Zacarelli Marino, da Fundação Universitária do ABC. ?Entre as crianças em idade escolar o índice dos atingidos pela doença chega a 10%, quando o normal é de 1,2%?, diz. Maria Ângela explica que há cinco anos começou a notar um elevado número de hipotireoidismo ? o que causa a tireoidite de Hashimoto ? em moradores dos bairros São Rafael, Jardim Santa Adélia e Jardim Vera Cruz, em São Paulo; Jardim Sônia Maria, em Mauá, e Parque Capuava, em Santo André. ?As pessoas nos procuravam por outros problemas, mas quando realizávamos exames de sangue e ultrassonografia do pescoço constatávamos a doença?, conta. ?Hoje estamos tratando cerca de 90 famílias, mais de 200 pessoas que sofrem do mal.? Segundo a médica, em estágio mais avançado, a tireoidite de Hashimoto pode impedir a produção dos hormônios T3 e T4, responsáveis por uma série de funções vitais, entre elas batimentos cardíacos. Sem esses hormônios, crianças podem sofrer retardo mental e problemas de crescimento. A ausência deles provoca ainda o bócio, aumento da glândula tireóide, conhecido como papo. Surpresa Na seqüência do trabalho, dois dados chamaram a atenção da endocrinologista: o alto índice de crianças com a doença e o fato de a hereditariedade não ser a forma mais comum de transmissão do mal entre os moradores dos bairros. ?A tireoidite de Hashimoto atinge mais as pessoas na faixa dos 40 a 60 anos?, explica. ?Naqueles bairros há cerca de 50 crianças com a doença, o que é muito.? Quanto à outra surpresa, Maria Ângela explica que a hereditariedade é o principal fator de transmissão da doença. ?Nos bairros constatamos, no entanto, que muitas famílias têm vários membros que não são parentes consangüíneos ? como mulher, marido e nora, por exemplo ? com a doença?, revela. ?Embora ainda não tenhamos certeza, acreditamos que a causa da doença no local seja externa. Pode ser alguma coisa no ambiente, como poluição.? Foi nesse ponto que o trabalho de Maria Ângela cruzou com a Pesquisa Preliminar sobre Qualidade Ambiental do Pólo Petroquímico de Capuava, Santo André, realizada pelo Movimento SOS Guaraciaba, com a coordenação do ambientalista e integrante do Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo (Consema) Carlos Bocuhy. ?Entrevistamos 11 famílias, moradoras próximas do pólo, e em 8 há membros com problemas de bronquite e uma de tireóide?, afirma Bocuhy. ?Embora a amostragem seja pequena, o resultado da pesquisa é um indicativo de que há problemas de poluição na região.? Bocuhy e Maria Ângela acreditam que o pólo petroquímico seja o responsável pelos problemas porque tanto os pacientes com tireóide como os entrevistados pelo Movimento SOS Guaraciaba moram nas suas imediações. ?Por isso já encaminhamos à Secretaria do Meio Ambiente e à Vigilância Sanitária do Estado um documento, assinado por 40 entidades ambientalistas, solicitando providências, entre as quais um levantamento imediato do estado de saúde da população do entorno do pólo?, diz Bocuhy. ?Também vamos solicitar à Procuradoria de Justiça do Estado que entre no caso. E na sexta-feira temos uma audiência com o secretário do Meio Ambiente, José Goldemberg.? A Assessoria de Imprensa da Secretaria Estadual do Meio Ambiente informou que quem poderia comentar o assunto era a Vigilância Sanitária, que, por sua vez, alegou que não se pronunciaria a respeito por desconhecer a pesquisa e o trabalho da endocrinologista. A Petroquímica União e a Petrobrás, as duas maiores empresas instaladas no pólo, também informaram, por meio de suas assessorias, que só vão comentar o assunto após receber os dados da pesquisa e do trabalho de Maria Ângela. Moradores reclamam de doenças Com excesso de peso e cansaço crônico, a comerciante Aparecida de Fátima Rocha - moradora do Parque Capuava, em Santo André, há 35 anos -, procurou, há cerca de um ano, a endocrinologista Maria Ângela Zacarelli Marino para se tratar. A série de exames a que foi submetida revelou que ela sofria de tireoidite de Hashimoto. "Fui lá com um problema e saí com outro", diz Aparecida. Segundo a médica Maria Ângela, a tireoidite de Hashimoto é assim mesmo. Insidiosa, ela se instala sem que a vítima perceba até ser tarde demais. "Mas, uma vez instalada, é irreversível", alerta a endocrinologista. "A pessoa terá de tomar remédios, no caso os hormônios que deixam de ser produzidos pela tireóide comprometida, pelo resto da vida." É o que faz Aparecida. "Todo dia tenho de tomar, antes do café da manhã, um comprimido", conta. Não é a única na família. Ela tem duas sobrinhas, cujos nomes ela preferiu não revelar, também moradoras do Parque Capuava, com a mesma doença. Uma sofre de tireoidite há oito anos e a outra, há dois. Aparecida não sabe a que atribuir a doença, mas reclama da poluição. "Tem dias aqui que é quase impossível respirar", reclama. "O nariz e a garganta ardem." A dona de casa Arlete Alves de Souza, de 44 anos, que também mora Parque Capuava , só que há menos tempo (15 anos), tem a mesma queixa, mas uma doença diferente. "Eu sofro de bronquite e tem dias que minha garganta chega a fechar", conta. "Já tive de ser levada ao hospital de ambulância." Para continuar podendo respirar normalmente ela é obrigada a gastar toda a pensão paga pelo ex-marido em remédios. "São R$ 300,00 todos os meses." Suas vizinhas, a técnica de nutrição desempregada Dagmar de Souza Santos, de 40 anos, e estudante Tatiane de Souza Santos, de 17, mãe e filha, são outras vítimas da broquite no bairro. "Há 15 anos tenho de viver com essa bombinha aqui, me medicando para poder respirar", queixa-se Dagmar. No caso de sua filha é ainda pior. "Não me lembro de ter vivido sem essa doença", diz. "Desde os dois anos que sofro de bronquite asmática." Além da doença, as três têm mais uma coisa em comum. Sempre que deixam o bairro, melhoram. "A gente viajava muito para o Rio e eu sempre me sentia melhor depois de alguns dias lá." Arlete morou algum tempo no Paraná e no interior de São Paulo e sua vida era outra. "A bronquite quase desapareceu", lembra. "Mas tive de voltar para cá e tudo piorou. Se eu pudesse iria embora daqui de novo."

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