'Einstein tinha prazer com ideias que giravam em torno de sua cabeça'

Centenário da Teoria da Relatividade ressalta importância de celebrar os 'experimentos mentais' que guiaram o físico

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Por Walter Isaacson
Atualização:

Este mês comemoramos o 100º aniversário da Teoria Geral da Relatividade, a mais bela teoria na história da ciência, e em sua honra vamos celebrar os "experimentos mentais" visualizados que guiaram Albert Einstein no caminho da sua brilhante criação.

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Einstein tinha prazer com o que chamou de Gedankenexperimente, ideias que giravam mais em torno da sua cabeça do que num laboratório. É o que os professores chamam de sonhar acordado.

E como essas hipóteses que são criadas na mente vêm nos lembrar, a criatividade está baseada na imaginação. Se pretendemos inspirar as crianças a amarem a ciência é preciso mais do que fazê-las praticar matemática e memorizar fórmulas. Devemos estimular os olhos das suas mentes também. E permitir que sonhem acordadas.

Einstein: 'a imaginação é mais importante do que o conhecimento' Foto: REUTERS

O primeiro grande experimento mental de Einstein teve lugar quando estava com 16 anos. Ele havia saído da escola, na Alemanha, que odiava porque ela dava mais ênfase à memorização em vez de a imaginação visual, e matriculou-se numa escola de um vilarejo suíço que se baseava na filosofia de Johann Pestalozzi, para quem os alunos deviam ser incentivados a visualizar conceitos. Ali Einstein tentou imaginar o que seria viajar tão rápido a ponto de atingir a velocidade da luz. Se viajasse ao lado dela, escreveu mais tarde, "observaria esse raio de luz como um campo eletromagnético imóvel". Em outras palavras, a onda pareceria estacionária. Mas isto não era possível de acordo com as equações de Maxwell, que descrevem o movimento e a oscilação dos campos eletromagnéticos.

O conflito entre suas hipóteses e as equações de Maxwell causaram uma "tensão psíquica" em Einstein, ele lembrou mais tarde, tendo divagado nervosamente em torno do tema, as palmas das mãos suando. Sabemos o que fez as palmas das nossas mãos transpirarem quando adolescentes e esses pensamentos não envolviam equações de Maxwell. Talvez porque provavelmente nossos experimentos mentais eram menos elevados.

No início dos anos 1900 diversos experimentos mostraram que a luz viaja a uma velocidade constante independente do movimento do observador em relação à fonte de luz. A comunidade dos físicos estava confusa com isto, do mesmo modo que Einstein ainda estava às voltas com suas tentativas de imaginar cavalgar ao lado de um raio de luz.

Em 1905, novos experimentos hipotéticos vieram à sua mente.

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Na época ele trabalhava no Departamento de Patentes de Berna, na Suíça. Diariamente tentava visualizar como uma invenção e suas premissas teóricas subjacentes se converteriam em realidade. Entre suas tarefas estava examinar aplicações para dispositivos para sincronizar relógios distantes. Os suíços queriam se assegurar de que os relógios em todo o país estivessem exatamente sincronizados. Como descobriu o historiador de Harvard Peter Galison, mais de duas dezenas de patentes foram expedidas por aquele departamento entre 1901 e 1904 para aparelhos que usavam sinais eletromagnéticos como rádio e luz para sincronizar os relógios.

Einstein imaginou que, se você enviasse um sinal luminoso dos relógios no instante em que eles marcam a hora, uma pessoa que viajasse super rápido na direção de um dos relógios teria uma visão diferente quanto a se estavam sincronizados daquela de outra pessoa que estivesse viajando a uma velocidade também muito rápida na direção contrária.

Mais tarde ele explicou esta ideia com uma outra hipótese imaginada por ele. Suponha que relâmpagos atinjam uma via férrea em dois diferentes lugares. Imagine que há um homem de pé no meio de um aterro entre os dois pontos atingidos pelos relâmpagos. Se a luz de cada relâmpago o atingir no mesmo instante ele dirá que os relâmpagos foram simultâneos. Agora imagine uma mulher no centro do trem que acabou passando por ele. Se o trem estiver em alta velocidade, no momento em que as ondas de luz atingirem o trem ela estará ligeiramente mais próxima do evento. E dirá que as ondas de luz chegaram antes.

"Os eventos simultâneos com referência ao aterro não são simultâneos com relação ao trem", escreveu Einstein. E aqui vai a parte divertida: não há nenhuma razão para decretar que o homem está certo e a mulher errada, porque não existe razão para supor que o aterro está "imóvel" e o trem "em movimento". O homem, a mulher, o trem, a Terra, o Sistema Solar, a galáxia, etc, todos estão em movimento, um em relação ao outro e nenhum deles pode reivindicar o status privilegiado de estar em repouso absoluto. Assim, não há nenhuma resposta "real" ou "correta". O que é "simultâneo" é relativo, depende do seu estado de movimento.

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Isto significa que o tempo é relativo. Se você viaja próximo da velocidade da luz, o tempo desacelera. Não se sinta mal se não conseguir entender esta tese corretamente. Foram necessários mais quatro anos até Einstein conseguir um emprego de professor de física na universidade.

Esta relatividade de espaço e tempo ficou conhecida como Teoria da Relatividade Restrita ou Especial porque aplica-se somente a um caso particular: um observador movimentando-se a uma velocidade constante. É mais difícil defender uma situação em que os mesmos princípios se aplicariam a uma pessoa que está acelerando, se virando ou rodando em círculos. Einstein levaria ainda mais 10 anos para concluir sua Teoria Geral aplicada a todas as formas de movimento. 

Mais uma vez sua trajetória foi iluminada por um experimento mental. "Estava sentado em uma cadeira na minha sala no Departamento de Patentes em Berna quando de repente ocorreu-me uma ideia", lembrou ele. "Se uma pessoa cai e se deixa cair livremente, ela não sentirá seu próprio peso". Posteriormente, afirmou que esta "foi a ideia mais feliz da minha vida".

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Se uma pessoa estiver numa câmara em queda sem nenhuma janela, Einstein raciocinou, ele não saberá que está caindo (pelo menos até chegar ao chão). Em vez disto, pensará que está numa câmara no espaço sem nenhuma gravidade. Ela se sentirá sem peso e se tirar um objeto do seu bolso e o largar, o objeto flutuará livremente junto com ele.

Depois Einstein mudou o roteiro. Imagine esse homem flutuando numa câmara fechada num espaço exterior mais distante onde nenhuma gravidade fosse perceptível. Agora suponha que um gancho é preso no alto desta câmara e ela é puxada para cima de modo acelerado. O que o homem sentiria? Seus pés se colariam ao chão. Se tirasse alguma coisa do bolso e a soltasse, ela cairia aceleradamente. "O homem na câmara chegará à conclusão de que ele e a câmara estão num campo gravitacional", escreveu. Os efeitos produzidos pela gravidade e os produzidos pela aceleração são equivalentes, postulou o cientista. Portanto devem ter a mesma causa. "Os efeitos que atribuímos à gravidade e os efeitos que atribuímos à aceleração são produzidos por uma única e mesma estrutura", afirmou.

Em sua Teoria Especial, Einstein mostrou que espaço e tempo não são independentes, mas constituem um entrelaçamento de "espaço-tempo". Hoje, com sua versão geral da teoria, que ficou conhecida como Teoria Geral da Relatividade, esse entrelaçamento de espaço-tempo tornou-se não apenas um recipiente para objetos. Em vez disto, assumiu sua própria dinâmica bidirecional: o movimento dos objetos torna curvo esse entrelaçado e as curvas influenciam a maneira como os objetos se movem.

Isto pode ser visualizado por meio de um outro experimento. Imagine uma bola de boliche rolando num trampolim. Ela produzirá uma curva na estrutura entrelaçada. Então coloque ali bolas de Billard que gradativamente rolarão na direção da bola de boliche - não porque a bola de boliche exerce uma atração misteriosa a uma distância, mas porque ela fez curvar o entrelaçado do trampolim. Einstein conseguiu visualizar esta situação no entrelaçamento quadridimensional de espaço e tempo. Certamente temos dificuldade em imaginar o conceito, mas isto porque ele era Einstein e nós não somos.

Em quatro quintas-feiras consecutivas em novembro de 1915, Einstein expôs sua Teoria Geral da Relatividade à Academia Prussiana de Ciências em Berlim. Em sua exposição final, em 25 de novembro, ele produziu as equações descrevendo o campo gravitacional-inercial. As equações finais de Einstein eram as anotações condensadas de tensores para comprimir complexidades extensas em símbolos e subscritos rabiscados, de modo a torná-los compactos o bastante para serem impressos em camisetas para nerds da física. 

Uma consequência da equivalência entre gravidade e aceleração é que a gravidade deve ser um raio de luz. Einstein demonstrou isto por meio de um outro experimento. Imagine uma câmara que é acelerada para cima. Um raio laser penetra numa parede por meio de um buraco. Quando atinge a parede oposta, ele estará mais próximo do chão, porque a câmara foi movida para o alto. Se conseguir traçá-la, esta trajetória pareceria curva porque o movimento para cima é acelerado. De acordo com o princípio da equivalência, o efeito da gravidade é o mesmo que o da aceleração, portanto a luz deve se curvar à medida que atravessa o campo gravitacional.

Somente quase quatro anos depois os cientistas conseguiram realizar um teste convincente da teoria. Durante uma eclipse do sol em maio de 1919, uma equipe liderada pelo astrônomo britânico Arthur Eddington conseguiu medir como a luz vindo de uma estrela se curvava à medida que passava pelo campo gravitacional próximo do sol. Os resultados confirmaram a teoria de Einstein.

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Quando Einstein recebeu o telegrama que o informou disto, mostrou-o a uma aluna. Ela perguntou-lhe o que teria sentido se as observações tivessem reprovado sua teoria? "Eu sentiria pelo senhor Deus", ele respondeu. "A teoria está correta". Os jornais sabiam como escrever grandes manchetes na época, e a do The New York Times tornou-se um clássico: "Todas as luzes entortaram no céu"/ Cientistas mais ou menos ansiosos quanto aos resultados de observações de eclipse/ Teoria de Einstein triunfa/ As estrelas não estavam onde calculávamos que estariam, mas ninguém precisa se preocupar".

Anos depois, quando seu filho mais novo, Eduard, perguntou porque era tão famoso, Einstein respondeu usando um outro experimento mental para descrever seu insight de que a gravidade era uma curvatura do entrelaçado espaço-tempo. "Quando um besouro cego trepa pela superfície de um ramo de árvore curvo ele não nota que o caminho que faz é na verdade curvo. Tive sorte em notar o que o besouro não tinha percebido", disse ele.

Na verdade, Einstein fez mais do que observar o que o besouro cego não conseguiu ver. Foi capaz de imaginar isto por meio de experimentos mentais. Essa capacidade de visualizar o não visto sempre foi a chave para gênios criativos. Como Einstein afirmou "a imaginação é mais importante do que o conhecimento".

Tradução de Terezinha Martino 

Walter Isaacson é CEO do Aspen Institute e autor do livro "The Innovators" e biografias de Einstein, Steve Jobs, Benjamin Franlin e Henry Kissinger

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