Especialista e transexuais comentam possibilidade de mudança de nome sem operação

Para psicóloga, 'sexualidade transcende o órgão genital' e operação não deveria condicionar troca do nome

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Por Gustavo S. Ferreira
Atualização:

SÃO PAULO - O Supremo Tribunal Federal (STF) decide nesta quarta-feira, 4, a possibilidade de transexuais, mesmo sem fazer a cirurgia para mudança de sexo, alterarem nome e gênero no registro civil. A proposta é da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, sob relatoria do ministro do STF, Marco Aurélio Mello.

 

 

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Atualmente, transexuais têm a possibilidade de alterar seus documentos apenas se fizeram a operação. Porém nem todos querem ser submetidos à técnica. "O medo de dar errado pode ser muito maior do que a repulsa a própria genitália", avalia a psicóloga Clara Cavalcante, do centro de referência e treinamento em DST/Aids da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. "Muitos também não gostam do nariz ou das orelhas e nem por isso procuram um cirurgião", compara.

 

A Organização Mundial da Saúde classifica o transexualismo como um transtorno de identidade e de gênero de ordem médica e psicológica. Diante desse segundo aspecto, para a especialista, a Justiça não deveria condicionar mudanças no registro civil às cirurgias. "A sexualidade transcende o órgão genital", diz. Ela faz uma analogia: historicamente, convencionou-se toda mulher nascer com instinto materno. Fato questionável, em sua opinião, considerando-se casos de abandono ou maus-tratos de crianças. Assim, segundo a especialista, não se pode classificar ninguém simplesmente por ter nascido com determinado aparelho reprodutor.

 

A psicóloga também cita casos como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que podem ser levados em conta pelo STF na questão do nome. O sobrenome "Lula" foi adotado após decisão judicial. "Não há justificativa para as transexuais serem impedidas de adotarem o vocativo pelo qual são conhecidas por todos". Quanto à questão do gênero, é cética. "Sou uma pessoa, minha sexualidade é somente um detalhe e nem todos entendem isso".

 

Marginalização. Aline Marques, de 33 anos, foi registrada como Alan. Desde os 17, veste-se como mulher 24 horas por dia. Afasta a hipótese de uma operação, com medo de perder sua libido. E considera-se, sim, uma mulher. Bem como diz ser tratada pelo companheiro, pela mãe, pela sogra e pelos amigos. "Já viu andando por aí algum homem com esses peitos?", ironiza. Ao todo, submeteu-se a cinco operações plásticas. Além de próteses mamarias, possui silicone nas nádegas e três intervenções no rosto.

 

Na esquina onde faz programas, no centro de São Paulo, admite sentir vergonha ao apresentar seu documento de identidade quando vai ao médico. E em outro cruzamento, a uma quadra, Rafaela Aguiar, de 20 anos, batizada como Rafael, afirma evitar as consultas. Obrigada a apresentar sua identificação em hotéis, por exemplo, mente. Fala tê-la perdido. Se o STF permitir, pretende ser a primeira da fila no Poupatempo. "Quem está no meu RG não sou eu." Ela também rejeita a cirurgia, sendo ou não esse o preço de se evitar possíveis doenças sexualmente transmissíveis, agravadas por não frequentar postos de saúde.

 

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Clara credita, em parte, a entrada de algumas transexuais na prostituição à falta de sociabilidade. "É muito difícil conseguir empregos tendo aparência feminina e sendo identificada como homem, mas isso não pode ser um fator determinante". O dinheiro estaria em questão, sim, mas, sobretudo, a ânsia por aceitação as levaria para guetos. Em seu raciocínio, apesar de paradoxal, o sofrimento dessas transexuais seria menor justamente por serem marginalizadas e conviverem com pessoas na mesma situação.

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