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Estação Ecológica da Juréia ainda não resolveu problemas de origem

Criada há 15 anos para abrigar somente pesquisa e educação ambiental, a Estação Ecológica Juréia-Itatins, continua a enfrentar problemas com moradores, população do entorno e turismo

Por Agencia Estado
Atualização:

Motivo de uma das primeiras grandes movimentações de ambientalistas pela Mata Atlântica, a Estação Ecológica Juréia-Itatins, no litoral paulista, foi criada pelo governo estadual em 1987 para ser um modelo de unidade de conservação em São Paulo. Sua criação salvou uma das mais importantes e bonitas porções do litoral paulista de se transformar em loteamento de luxo para 70 mil pessoas ou em usina nuclear. Casa de Pesquisa Rio Verde: alojamento para pesquisadores. Foto: Beto Barata/AE Os quase 800 km2 da reserva representam um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica bem preservados em todo o Estado e abrigam uma das maiores diversidades de ecossistemas associados que compõem o Domínio Atlântico, com restingas, manguezais, florestas de planície e mata densa e úmida de encosta. Parte do Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape e Canéia, no Vale do Ribeira, a Estação Ecológica representa quase 10% das unidades de conservação estaduais e é o principal destino para pesquisadores de fauna e flora da Mata Atlântica. Apesar disso, nunca se tornou integralmente como estação ecológica (com uso exclusivo para preservação e pesquisa). O principal problema foi uma premissa errada na origem: criou-se uma unidade de conservação de restrição máxima em uma região com várias comunidades, tradicionais ou não, e grande fluxo de peregrinos e turistas. Sem conseguir resolver os problemas fundiários da área, o Estado administra uma reserva de uso restrito, sem ter como retirar os moradores - a maior parte deles reconhecidos, pelo Estado, como tendo direito legítimo de permanecer no local. Menos de 15% da área da Estação Ecológica pertence definitivamente ao Estado. Foto: Beto Barata/AE Não podem, porém, praticar as atividades tradicionais nem reformar as casas (oficialmente, é claro). Também proibido legalmente, o turismo é parcamente controlado, já que, como Estação Ecológica, não é possível destinar recursos para tanto. Para complicar, a Funai colocou índios morando, com permissão de fazer tudo que os demais moradores não podem: plantar e retirar da floresta palmitos e bromélias para subsistência, o que tem significado, na prática, abastecer as feiras e as fábricas clandestinas da região. Segundo o diretor da Estação Ecológica desde 1995, Joaquim do Marco Neto, a questão fundiária é um dos maiores problemas da unidade. "Menos de 15% da área pertence definitivamente ao Estado", afirma. Desde 1992, dezenas de processos ex-propriatórios estão em andamento, atingindo, de modo geral, as grandes glebas, que são as que tem documento. "Esses processos não foram concluídos, pois os proprietários exigem valores superiores ao oferecido pelo Estado e há sobreposição de áreas. Mas o governo conseguiu reverter várias ações com indenizações discrepantes, o que congelou a situação". Quanto aos moradores, Marco diz existirem 360 famílias, com diferentes situações: moradores tradicionais, moradores antigos, moradores recentes (que estavam na área há pouco tempo quando foi criada a Estação) e caseiros. Impedida de expandir agricultura, edificar ou abrir novas áreas para visitação, essa população empobreceu e se descaracterizou. Para o diretor, no entanto, embora a Estação imponha restrições, a descaracterização da cultura ocorre também aos moradores do entorno. "Se não houvesse a reserva, esse processo seria mais rápido e acelerado", disse. Joaquim do Marco Neto, diretor da Estação Ecológica Juréia-Itatins. Foto: Beto Barata/AE Joaquim lembra que a Juréia é apenas a mais restritiva de um conjunto de unidades de conservação sobrepostas que existem na região. Administrada pelo Estado, a Estação Ecológica abriga a Área de Relevante Interesse Ecológico Federal (ARIE) da Ilha do Ameixão e o Maciço da Juréia, que é tombado. Além disso, está dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) de Cananéia, Iguape e Peruíbe, também federal, e faz parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica da Unesco. "Com tudo isso, é considerada o principal atrativo turístico pelos prefeitos da região que, no entanto, pouco têm contribuído para sua preservação", afirma o diretor. Para o administrador, o entorno da Estação tem um grande potencial para turismo e projetos sustentáveis, que poderiam ter apoio das prefeituras, principalmente através do ICMS verde, que não retorna para a unidade de conservação. Embora complexos, os problemas na Juréia acontecem em pontos determinados e em uma porcentagem pequena de área. Segundo Joaquim do Marco, apenas 5% da Estação possui população. Mas as pressões sobre a reserva são diversas e vão de mudar a categoria, para permitir moradores e turistas, a criar um mosaico com vários tipos de unidades de conservação. Atualmente, o Instituto Florestal, a quem a Estação é subordinada, tenta criar um conselho consultivo para a Juréia, com representantes de todos os setores envolvidos - moradores da Estação e do entorno, prefeituras, governo estadual, ambientalistas. Foram realizadas duas reuniões, mas ainda não foi definida a representatividade de cada segmento no conselho. "A formação deste conselho na Juréia deve ser complicado, pois há interesses muito diferenciados. No entanto, espero que se consiga definir temas prioritários de conflitos e se encaminhar diretrizes para o seu equacionamento", disse o diretor. Participante do movimento pela criação da Estação Ecológica, o ambientalista João Paulo Capobianco, coordenador do Instituto Socioambiental (ISA), acredita que a unidade tem um problema concreto, que é a necessidade de dar alternativas à população tradicional. "Mas isso não pode ser argumento para se reverter uma das maiores vitórias do ambientalismo paulista". Segundo Capobianco, bairros como o Despraiado e Barra do Una, onde a ocupação é maior, poderiam ser transformados em Reserva de Desenvolvimento Sustentável ou Área de Proteção Ambiental, de acordo com o que for discutido com a comunidade. "No entanto, pela lei só se pode mudar a categoria de uma unidade de conservação se for para um grau mais restritivo. O inverso necessita de um projeto de lei e de compensações. Mas há solução, pois existem áreas contíguas à Estação - como o Banhado Grande, uma extensa área de várzea, de extrema importância ambiental e sem ocupação humana -, que poderiam ser incorporadas à Estação". Para o ambientalista, é preciso uma decisão política para a Juréia. "Da maneira que está sendo proposto, o conselho consultivo não será a instância ideal para alavancar estas mudanças, pois o Estado não definiu critérios para sua composição que garantam o objetivo principal, que é preservar a área".

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