Estadão na Antártida, dia 11: Mudanças climáticas no continente gelado

Geleiras antárticas tem sido estudadas pelos brasileiros, que redobram a atenção com o derretimento do gelo e, consequentemente, o aumento do nível do mar

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Foto do author Luciana Garbin
Por Luciana Garbin e ANTÁRTIDA
Atualização:
Iceberg no caminho para a Pinguineira Copacabana, na baía do Almirantado Foto: Clayton de Souza/Estadão

Dia 11

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Mudanças climáticas - 28/02/2019, 17h05

Cerca de 10% do planeta ainda é coberto por gelo e 90% do gelo do mundo está na Antártida. Em tempos de mudanças climáticas, não é difícil descobrir por que o continente austral é visto com tanto interesse por pesquisadores. Uma das principais questões estudadas hoje é qual será a resposta do gelo antártico às variações do clima. Para respondê-la, cientistas montam cenários a partir de cálculos matemáticos para mostrar por exemplo a evolução da velocidade do gelo que corre para o mar e o seu impacto para a elevação do nível dos oceanos.

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Segundo o professor Jefferson Simões, vice-presidente do Comitê Científico Internacional Sobre Pesquisa Antártica (Scar), duas geleiras têm chamado especial atenção: a da Ilha Pine e a Twaithes, com mais de 200 quilômetros de extensão. Para se ter uma ideia do tamanho do interesse, Estados Unidos e Reino Unido iniciaram um projeto de US$ 25 milhões só para estudar a Twaithes. Já o Brasil terá módicos US$ 200 mil para avaliar a geleira ao lado, da Ilha Pine. A questão é que boa parte dessas geleiras está sobre a terra, mas sua parte flutuante acaba segurando a velocidade de derretimento de gelo. Ou seja, se a parte flutuante desaparecer, o que está por trás e na terra pode derreter rapidamente.

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O cenário estimado pela comunidade científica é de que o nível do mar suba de 30 centímetros até 1,3 metro até 2100. Se a situação se desestabilizar, esse teto pode ultrapassar os 2 metros em 80 anos e chegar a 5 ou 6 metros em cinco séculos, o que, de acordo com especialistas, pode ter consequências socioeconômicas desastrosas, principalmente para países que têm boa parte de sua população e suas cidades na costa, como é o caso do Brasil. “É claro que as mudanças sempre aconteceram, mas o problema agora é a velocidade”, lembra Simões.

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Primeiro brasileiro a fazer doutorado em Glaciologia e a se tornar cientista polar, em 1984, ele defende que o Brasil amplie as pesquisas mais para dentro do continente antártico. Hoje o grupo do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul já trabalha a 2,5 mil quilômetros da estação brasileira, com roupas e barracas ainda mais especiais que as usadas nos arredores da Estação Comandante Ferraz, que fica bem mais pra cima, na Ilha Rei George, e onde é feita a maior parte das pesquisas brasileiras.

“Tentar entender a Antártida a partir da Rei George é como tentar entender todo o Brasil a partir da Baía de Guanabara”, diz. “A Ilha Rei George está a somente 120 km da Península Antártica, mas está a 3,1 mil km do Polo Sul. Esta distância de 3,1 km é a mesma da Ilha Rei George a Rio Grande (RS).”

Embora para leigos possa soar estranho, Simões diz que é possível falar até em gelo quente e gelo frio. “Ao lado da Comandante Ferraz, o gelo está a - 1°C. Onde trabalhamos, o gelo está a -36°C. Na Estação Vostok, dos russos, o gelo está a - 55°C.”

Iceberg gigante visto da baía do Almirantado, na Ilha rei George, que está diminuindo de tamanho por causa do aquecimento global Foto: Clayton de Souza/Estadão

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O glaciologista conta que a área da estação brasileira é o lugar da Antártida que mais tem derretido nos últimos aos. “Embora também haja partes do continente que estão ganhando gelo, nos últimos cinco anos aumentaram as evidências de que a Antártida no geral está mais perdendo do que ganhando”, explica.

Esse fenômeno é acompanhado de perto pelo alpinista Nelson Barretta, contratado pela Secretaria da Comissão Interministerial para Recursos do Mar (Secirm) para trabalhos na Antártida. Uma das áreas por onde ele costuma passar desde 1993 é o Glaciar Ecology. Fica na margem da Baía do Almirantado, próximo da estação polonesa de Arctowski. “Minha percepção nesse tempo é de que o glaciar está retraindo em direção ao centro da ilha e a altura dele também diminuiu. Não tenho medidas oficiais nem posso afirmar que isso represente o aquecimento global, mas posso dizer que nos últimos anos a maioria das pessoas presenciou uma mudança climática acontecendo, num período de tempo menor do que o esperado.”

O alpinista Nelson Barretta revela enxergarmudanças nas geleiras 'todos os dias' Foto: Clayton de Souza/Estadão

Há alguns dias, Barretta esteve também no Glaciar Baranowski e aí sim uma medida com trena indicou que houve retração de 30 metros nos últimos três anos. “Não representa um estudo científico sobre a mudança do mundo, mas, de novo, são percepções particulares de alguém que frequenta a região há muito tempo. No meu pouco tempo de vida, notei muitas mudanças e diariamente sou bombardeado por informações científicas que me geram um sentimento, uma dor no estômago.”

No livro 'A Espiral da Morte' (Companhia das Letras, 2016), o jornalista Claudio Angelo aponta que a perda de gelo tem ocorrido em toda a região da Península Antártica e também nas ilhas em volta. “No total, 87% das geleiras da Península estão diminuindo e sua contribuição estimada para o aumento do nível do mar é de 0,05 milímetro por ano”, afirma. “Desde o final da década de 1950, a Ilha Rei George perdeu 7% de sua cobertura glacial.”

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O que acontece na Antártida acaba se refletindo na América do Sul. “O brasileiro costuma achar que o sistema climático do País depende só da Amazônia, mas as mudanças que estão ocorrendo na Antártida afetam a circulação da atmosfera e as condições do clima no Brasil”, explica Simões. “Se massas de ar quente vão ou não aquecer mais o Sul por exemplo tem a ver com o que está acontecendo na Antártida. Mas uma coisa é a previsão meteorológica para os próximos dez dias. Outra é o trabalho com cenários matemáticos de clima para os próximos 10, 20, 30 anos.”

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