Estadão na Antártida, dia 5: Ilha Deception

Localizada na cratera de um dos mais ativos vulcões do continente, ilha impressiona pela paisagem e a água muito quente em meio ao gelo

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Por Luciana Garbin
Atualização:
Visão geral da ilha Deception de dentro do navio de turismo Foto: Luciana Garbin/Estadão

5º dia

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Ilha Deception - 22/02/2019, 17h57

A viagem de hoje não estava prevista na programação inicial, mas foi o maior presente que alguém que vem à Antártida pode desejar. Visitar a Ilha Deception, um dos locais mais emblemáticos das Ilhas Shetlands do Sul, fez todas as dificuldades para chegar até aqui valerem a pena. Para começar, é a boca da cratera de um vulcão ativo. Sim, você leu certo. A Antártida tem cerca de 90 vulcões e em Deception está um dos mais ativos deles.

Passar por lá é ver de muito perto do que a natureza é capaz. Cinzas escuras cobrem gigantescas geleiras brancas, que parecem pedras à distância. E a água quente que corre na margem das praias da borda da cratera, em meio a blocos de gelo, faz nuvens de vapor subirem do solo. Num mesmo ponto, é possível encontrar água em seus três estados: líquido, gelo e vapor.

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Pus as mãos num dos fios de água da Calleta Pêndulo e só aguentei mantê-las imersas por poucos segundos. É quente, muito quente. Alguém contou que está a cerca de 70ºC, embora a temperatura do ar esteja em 1 ou 2 graus negativos e o mar ao lado também esteja gelado. O solo é escuro, cheio de pequenas pedras, e contrasta com as áreas cobertas de gelo. Alguns metros de caminhada para cima, chamam a atenção algumas ruínas com ferros retorcidos, pedaços de madeira, restos de alvenaria e dois degraus de escada. Militares da Marinha que acompanham nosso grupo dizem que eram de uma antiga estação chilena, destruída há quase cinco décadas por uma chuva de cinzas e pedras causada pela erupção do vulcão de Deception.

A alguns quilômetros de distância, na Baía de Foster, fica uma antiga baleeira. A Sociedade Baleeira de Magallanes foi fundada em Punta Arenas no início do século 20 pelo imigrante norueguês Adolfo Andresen e logo começou a promover em Deception uma caça em massa de baleias, cujos ossos, gordura, carne e barbatanas valiam ouro, principalmente na Europa. Hoje o local mais lembra uma cidade-fantasma, onde se podem ver os compartimentos onde cada uma dessas partes era estocada, além de maquinários e casas de madeira que ainda guardam vários objetos corroídos pelo tempo.

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O biólogo marinho mexicano Rodrigo Rocha é guia de um dos navios de cruzeiro que levam dezenas de turistas a Deception em troca de uma boa soma de dinheiro. Ele conta que a baleeira foi abandonada nos anos 1930 quando diminuiu o interesse comercial pelos produtos extraídos das baleias, mas foi depois ocupada por uma estação inglesa, a Biscue House, que tinha até aeródromo. Mas então vieram as três últimas erupções do vulcão de Deception, em 1967, 1969 e 1970, e as construções foram novamente abandonadas. Nem o cemitério escapou. Segundo Rodrigo, embora cerca de 50 corpos tenham sido enterrados no local, sobraram apenas duas cruzes.

“Essa é a porta de entrada da Antártida, um dos locais mais importantes e emblemáticos das Ilhas Shetlands do Sul”, explica, repetindo para quem encontra as regras para se circular ali: não entrar nas construções, não comer, não fumar, não mexer em nada e, principalmente, ficar a pelo menos cinco metros de distância das dezenas de lobos marinhos que chegam a pesar de 180 kg a 250 kg, têm bactérias nos dentes que podem causar problemas graves a humanos e se espalham preguiçosamente pela praia em frente. Todos machos, segundo ele, porque as fêmeas nesta época do ano estão nas Ilhas Geórgia do Sul alimentando os filhotes.

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Um sobrevoo de helicóptero à tarde também revelou pinguineiras enormes e centenas de focas e elefantes marinhos na região. Além de icebergs azuis, pequenos lagos verdes e outras paisagens de tirar o fôlego. Nada portanto que justifique o nome Deception, que teria sido dado pelos ingleses. Uma das hipóteses para ele é que os baleeiros acharam que ali era um porto seguro, onde encontrariam baleias sem fim, mas a realidade teria ficado aquém da expectativa.

Atualmente dois países mantêm estações em Deception: a Espanha e a Argentina. E, para tentar monitorar o humor do vulcão, há sismógrafos e outros aparelhos espalhados por vários pontos da região.

Também é preciso monitoramento para entrar de navio na área da cratera. Além de habilidade. A largura da passagem é de cerca de 600 metros, mas o canal de navegação com a profundidade necessária para o Ary Rongel trafegar se restringe a cerca de 150 metros. Como os radares do navio apontavam outras duas embarcações dentro da cratera durante nossa aproximação, militares da Marinha fizeram contato por rádio com o navio de turismo e o outro espanhol para saber se não estavam pretendendo sair naquele momento. “Aqui é estreito, não tem como um ir e outro voltar ao mesmo tempo”, explica o comandante do Ary Rongel, Antonio Braz de Souza, que se despedirá neste ano das operações antárticas. A seu lado, cerca de 20 marinheiros ocupavam o passadiço, sala de controle do navio, para acompanhar a operação. Assim como eu, muitos aproveitavam sua primeira visão de Deception.

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