9º dia
Travessia no Drake - 26/02/2019, 17h23
Vira e mexe ele surge na conversa. Como um nome próprio: o Drake. E não tem quem venha ou volte de navio da Antártida que não escute alguma – ou algumas – história(s) assustadora(s) sobre o “mar mais perigoso do mundo”. São relatos de marinheiros experientes sobre ondas de 8, 9, 10 metros de altura que fizeram o Navio Ary Rongel chacoalhar por várias horas seguidas e muita gente passar mal – ou “marear” a bordo.
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Terror dos primeiros exploradores da região, o percurso de cerca de mil quilômetros entre a Antártida e a Terra do Fogo, no extremo da América do Sul, agora se baseia em dados meteorológicos bem mais precisos, monitorados diariamente pelo Centro de Hidrografia da Marinha e enviados aos navios. Numa viagem da Antártida a Punta Arenas, no Chile, passa-se no mínimo 36 horas no Drake, período que pode se estender dependendo das condições. O plano é sempre atravessá-lo entre uma frente fria e outra para tentar enfrentar o mar menos agitado possível. Nem sempre, porém, isso é possível.
O comandante do Ary Rongel, Antonio Braz de Souza, de 47 anos, vai cruzar o Drake pela 30ª vez nesta semana. Em sua quarta e última operação antártica, ele conta que toda vez que vai entrar no Drake senta em sua cadeira de comando no passadiço e faz uma oração. “É coisa de marinheiro. Antes de entrar, toda vez eu rezo uma ave maria e peço pela segurança do navio”, conta. Num dos cantos da sala de comando, há uma imagem de Nossa Senhora dos Navegantes, protetora dos marinheiros.
Ele afirma que com sete dias de antecedência já é possível ter uma predição, mas a previsão fica melhor nos últimos três dias. Com a informação sobre ventos e ondas na tela do computador, o comandante decide se vai encarar o Drake ou esperar mais algum tempo para a frente fria se afastar. Há alguns anos isso era mais difícil.
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“Pegamos um Drake muito tenso no dia 29 de janeiro de 2009”, lembra o capitão de fragata Romivaldo Silva Vasques, imediato do navio Ary Rongel, lembrando que as ondas chegaram a nove metros de altura e o vento, a 60 nós, o equivalente a 111 km/h. “Nós sabíamos que haveria mau tempo, mas não tanto. Foi uma situação que testou o limite do navio. Sua inclinação chegou a 45º e ele ficou pensativo se ia emborcar ou voltar”, brinca. “Eu era encarregado da carga do navio e passei a noite toda acordado.”
Antes da entrada no Drake, todos os objetos soltos do navio são peiados – amarrados na linguagem naval -, para que não “voem” na hora em que o mar estiver “batendo” e o navio “jogando”. Como o labirinto humano não foi feito para ficar chacoalhando, é comum passar mal ou “marear” a bordo.
Algumas condições impulsionam o mau humor do Drake. O meteorologista e primeiro-tenente Luiz Felipe Neris Cardoso, de 30 anos, explica que a Antártida está localizada num cinturão de baixa pressão associado a tempo severo. Por tempo severo leia-se chuvas fortes, rajadas de vento, mar agitado e neve. Mas com uma curiosidade: por aqui não há cumulus nimbus nem raios.
“Além de o mar nessa região estar sujeito a ventos mais intensos, ele gera ondas conhecidas como marulhos, com períodos superiores a dez segundos”, afirma. Na subida da Antártida a Punta Arenas, as ondas geralmente são de noroeste e de sudoeste e pegam o navio no que os marinheiros chamam de través e de bochecha, ou seja, de lado e de bico. Quanto mais lateralmente a onda bate no navio, mais ele joga para todos os lados. E maior risco de marear.
“Minha recomendação com Drake nervoso é que quem não está de serviço fique deitado na beliche ou na refeição”, diz o comandante Braz. Um dos truques é não ficar de estômago vazio. Muita gente também toma remédio anti-enjoo como precaução. Por via das dúvidas, já trouxe o meu do Brasil.
Neris explica que a previsão para nossa viagem pelo Drake é ter inicialmente ondas de 2,5 metros e no final, entre 3,5 e 4 metros. E se isso é bom? “Não é dos piores.”
PS: Contam os militares que o nome do Mar de Drake, também chamado de Passagem ou Estreito de Drake, se deve ao britânico Francis Drake, que, ironicamente, preferiu não passar por aqui e desviou pelo Estreito de Magalhães, que costuma ter águas mais tranquilas.