Estudo prevê crise alimentar causada pelo aquecimento global

Os autores do trabalho analisaram 20 modelos teóricos sobre os efeitos do aquecimento global no clima

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Por Carlos Orsi
Atualização:

A mudança climática prejudicará a produtividade de culturas importantes para a alimentação humana em algumas das áreas mais pobres do mundo, nos próximos 20 anos, de acordo com estudo de pesquisadores ligados ao Programa de Segurança Alimentar e Meio Ambiente da Universidade Stanford (EUA). O trabalho está publicado na edição desta semana da revista Science. Em nota divulgada pela universidade, o principal autor do trabalho, David Lobell, afirma que "a maior parte do 1 bilhão de pessoas mais pobres do mundo depende da agricultura para sobreviver", e que "infelizmente, a agricultura é o empreendimento humano mais vulnerável à mudança climática". Os autores apresentam o artigo como um guia para focar os investimentos necessários à adaptação da produção agrícola à mudança climática, de modo que governos e organizações internacionais tenham uma idéia de onde despender recursos, e em que prazo. "Embora não tentemos identificar quais estratégias de adaptação deveriam ser adotadas, notamos que, em algumas regiões, mudar de uma cultura altamente impactada (pelo efeito estufa) para uma menos impactada pode ser uma opção viável", diz o artigo na Science. No trabalho, os pesquisadores focalizaram 12 regiões onde, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), vive a maior parte da população desnutrida do mundo. Essas áreas incluem muito da Ásia, África subsaariana, Caribe, América Central e do Sul, e respondem por 825 milhões de pessoas desnutridas, ou 95% do total mundial. Os autores analisaram 20 modelos teóricos sobre os efeitos do aquecimento global no clima e concluíram que, até 2030, a temperatura média na maioria dessas áreas terá subido 1º C, enquanto que as chuvas sazonais em alguns locais - incluindo sul da Ásia, sul da África e Brasil - poderão diminuir. A redução mais intensa de chuvas é prevista para o sul da África, chegando a 10% em 2030. A equipe de Lobell então combinou essas projeções com dados sobre a relação observada entre o clima e cada tipo de cultivo - soja, arroz, cana-de-açúcar, milho, sorgo, trigo, cevada, entre outros - e a relevância dessas culturas para a alimentação das populações mais pobres, a partir de um "ranking de importância para a fome" (HIR, na sigla em inglês). A análise revelou duas zonas críticas: sul da Ásia e sul da África. A principal cultura do sul da África, o milho, com um HIR "muito importante", poderá sofrer perdas de mais de 30% nas próximas duas décadas. No caso do Brasil, as maiores perdas previstas, de 15%, afetariam as culturas de trigo e soja. Isso ocorreria no mesmo prazo, mas com probabilidade bem menor que no caso africano. As duas culturas, no caso brasileiro, foram classificadas com HIR "menos importante". Em comentário que acompanha o artigo da equipe de Stanford na Science, os cientistas Molly E. Brown e Christopher C. Funk, da Nasa e da Universidade da Califórnia, Santa Barbara, lembram que fatores econômicos também podem agravar a crise de alimentação. "A elevação recente no preço dos grãos reduz o acesso dos pobres à comida, por exemplo, na Tanzânia, que compete pelo milho com produtores de etanol e criadores de porcos nos Estados Unidos", diz o texto. Os autores do comentário lembram ainda que "até metade dos casos de desnutrição podem ser causados por fatores não alimentares, como HIV/AIDS e malária", sendo que o aquecimento global tende a agravar a disseminação da última doença, transmitida por um mosquito. O comentário sugere que a crise poderá ser reduzida por programas de distribuição de alimentos em situações de emergência, investimento em fertilizantes e em variedades agrícolas melhoradas, além de um aperfeiçoamento nos sistemas de monitoramento de fenômenos climáticos e previsão do tempo.

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