Florestas eliminaram megafauna sul-americana, diz estudo

Tese de pesquisador brasileiro indica que grandes animais ficaram sem espaço e alimento quando clima mudou e matas densas cresceram

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Por Agencia Estado
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Sempre que via na televisão algum documentário sobre os grandes animais da África, o zoólogo Mário de Vivo, da Universidade de São Paulo (USP), se perguntava: por que a América do Sul também não tem espécies de grande porte? A questão o intrigava mais ainda porque fósseis encontrados em vários pontos do território sul-americano demonstram que o continente já abrigou uma fauna de respeito, com preguiças e tatus do tamanho de um Fusca e predadores ferozes, como o tigre-dente-de-sabre. Depois de anos pensando e pesquisando o assunto, Vivo acredita que chegou a uma explicação. O resultado é uma nova teoria sobre a extinção da megafauna sul-americana, elaborada durante um ano e meio por ele e sua aluna de doutorado, Ana Paula Carmignotto, e publicada na edição de maio do Journal of Biogeography, uma respeitada revista científica inglesa. Para Vivo, os grandes animais ? herbívoros e pastadores e seus predadores ? que perambulavam pela América do Sul, inclusive no Brasil, foram extintos há cerca de 5 mil anos por causa de mudanças climáticas e no regime de chuvas no continente. O trabalho de Vivo vai além, no entanto. Ele faz um paralelo com o que teria ocorrido na África, no mesmo período. Para fazer isso, o zoólogo do Museu de Zoologia da USP se valeu de dados conhecidos sobre o clima e o índice de chuvas do final do pleistoceno e do meio do holoceno, épocas geológicas que vão, respectivamente, de 1,8 milhão a 12 mil anos atrás e de 12 mil anos aos dias de hoje. A isso ele acrescentou informações também conhecidas sobre a relação entre índice de chuvas e vegetação. Frio e calor Com esses dados cruzados, montou dois cenários: um para o final do pleistoceno ? mais ou menos entre 20 mil e 12 mil anos, quando o planeta vivia sua mais recente era glacial ? e outro para o meio ou auge do holoceno. ?No primeiro caso, o clima era mais seco e frio do que hoje?, explica. ?Em conseqüência disso, havia vastas áreas de savanas abertas, com árvores esparsas e gramíneas, e florestas com enclaves de savanas. Era um ambiente propício para grandes herbívoros e pastadores.? O outro cenário é o oposto desse ? um ambiente mais quente e úmido do que hoje. Com o aumento das chuvas em cerca de 50%, a fisionomia dos dois continentes mudou. As florestas se expandiram e as savanas se tornaram mais densas ou desapareceram em algumas áreas, dando lugar a matas fechadas. Na África, a maior umidade transformou os desertos do Saara, ao norte, e do Kalahari, ao sul, em savanas. É o que teria salvado os grandes mamíferos africanos. ?Eles puderam migrar da região central do continente para áreas onde antes havia desertos, no norte e no sul?, explica Vivo. ?Isso lhes garantiu a sobrevivência. É por isso que hoje ainda encontramos grandes animais na África.? Menos áreas abertas Os bichos da América do Sul, no entanto, não tiveram a mesma sorte. ?Aqui não sobraram áreas abertas e savanas para onde os grandes animais pudessem migrar?, diz. ?Sem espaço para viver, nem gramíneas para pastar, foram condenados à extinção?, completa. Isso explica, segundo a teoria de Vivo e Ana Paula, porque o maior animal nativo da América do Sul é a anta, que pode chegar a 300 quilos, 5,45% do que um elefante africano, que atinge até 5,5 toneladas. Sem falsa modéstia, Vivo se diz orgulhoso do trabalho, embora reconheça que ele não responde a todas as perguntas sobre a megafauna sul-americana e sua extinção. ?Grande parte dos trabalhos feitos até hoje só se preocupa com a extinção dos megamamíferos sul-americanos e esquece a sobrevivência desses na África?, diz. ?O nosso lida também com a África. Nosso trabalho é a segunda hipótese existente na literatura científica a respeito do porquê de os grandes mamíferos terem sobrevivido na África. A única hipótese alternativa é que os seres humanos teriam co-evoluído na África com os grandes mamíferos e, portanto, não os extinguiram?, afirma o zoólogo da Universidade de São Paulo.

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