Florestas tropicais com sotaque alemão

Alemanha é a grande parceira do Brasil, em projetos de conservação da Mata Atlântica e da Amazônia

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Por Agencia Estado
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Para quem trabalha nos projetos de conservação da Mata Atlântica e Amazônia, a sigla KfW já se tornou sinônimo de oxigênio financeiro. É através do banco alemão Kreditanstalt fur Wiederaufbau, o KfW, que fluem os recursos para fortalecimento institucional de órgãos de governo ou entidades não governamentais e para investimentos em projetos inovadores de conservação da floresta tropical, numa das melhores parcerias binacionais que o Brasil mantém na área ambiental. A Alemanha garantiu, na última década, recursos da ordem de US$100 milhões, no âmbito do Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais no Brasil (PP-G7), contribuindo com 41% do total de recursos. Foram 6 projetos com os governos estaduais (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais) para apoio a 56 unidades de conservação e reforço da infraestrutura de fiscalização e monitoramento; mais os projetos com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 15 parques e reservas federais; apoio ao processo de criação do Corredor Ecológico Central da Mata Atlântica, na Bahia e Espírito Santo, e linhas de financiamento a 44 Projetos Demonstrativos (PD/A), com ongs e pequenas comunidades. Nesta última semana, ainda foram assinados dois novos contratos, com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), no valor de US$17 milhões, para os Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI) e Projeto de Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (provárzea), ambos na Amazônia. E está em negociação mais uma linha de financiamento a Projetos Demonstrativos, de aproximadamente US$15 milhões, que deve sair até o final do ano. Plantadores de pequenas matas No sul da Bahia, a cooperação alemã financia a implantação de sistemas agroflorestais, através da organização não governamental Terra Viva. São 54 famílias em Itanhém e 44 em Riacho das Ostras, desde 1996, e há 2 anos se iniciou também um projeto na gleba Jucuruçu, com 60 famílias. ?Ainda não é aquele sonho da gente, mas a reeducação que tive com os meninos foi colocando aquilo nas idéias e já tem broto nativo, já tem planta pra adubação verde, tem cerca viva, que é uma coisa da gente ficar emocionado?. Assim Sabino Coelho, de 52 anos, começa a contar como deixou as práticas tradicionais de agricultor familiar, no sistema rotativo de derrubada de mata, queimada e plantio de mandioca, para se transformar num dos 44 plantadores de pequenas matas do Assentamento Riacho das Ostras, município de Itamaraju. Os ?meninos? a quem ele se refere são agronômos e educadores do Terra Viva, que dá assistência nas práticas de agricultura orgânica e plantio de árvores da Mata Atlântica e mantém a Escola Livre, onde são discutidos os problemas surgidos nas lavouras e reflorestamentos e as soluções possíveis, dentro do conceito de sustentabilidade. O assentamento tem 5 quilômetros de divisa com o Parque Nacional do Descobrimento, de 21.129 hectares. O trabalho com os assentados visa criar alternativas sustentáveis de renda para as famílias, ao mesmo tempo em que forma uma zona de amortecimento para atenuar as pressões de atividades humanas sobre a área protegida. Na região, ainda ocorre a extração ilegal de madeiras nobres, caça e incêndios e o plantio de pequenos bosques, nos lotes dos assentados, facilita a circulação da fauna e inibe a depredação. Mas dentro do Riacho das Ostras, com a ajuda do Terra Viva, iniciou-se uma verdadeira revolução na tradição dos agricultores assentados. Hoje, eles já separam 25% do lote para preservação de nativas e 15% para fruticultura orgânica, trabalhando apenas em 40% com culturas anuais. E vem obtendo mais receita do que as 23 famílias do mesmo assentamento, que preferiram continuar no modelo tradicional. ?Antes a gente era obrigado a cometer os crimes do desmatamento, aqui era um fogo só, só se via fumaça, agora tem manga, tem roça, tem mil espécies de planta selvagem e fruta, que pode servir para algum animal e para o homem também, que as crianças são as primeiras a desfrutar?, continua Coelho. No seu lote, a venda de urucum para fábricas de corante alimentício já supera a receita obtida com farinha de mandioca e a produção de polpas de pitanga, manga, graviola, goiaba e caju cresce a cada ano. As 44 famílias integradas ao projeto produzem, por ano, 30 toneladas de farinha de mandioca, 20 toneladas de urucum e 10 toneladas de frutas, devendo chegar a 56 ton a partir 2004. O plantio de frutas e árvores nativas é todo misturado, imitando a estrutura das matas e favorecendo a recuperação dos solos, extremamente empobrecidos pelas práticas culturais tradicionais. Em muitas áreas do assentamento, há alguns anos crescia apenas sapé, planta indicadora de solos exauridos, ácidos e queimados com freqüência. Mas, a partir da sugestão dos ?meninos?, o sapé vem sendo vencido pela adubação verde e incorporação de matéria orgânica no solo. O próximo passo, de acordo com Jefferson Amaro, engenheiro florestal do Terra Viva, é construir uma fábrica comunitária de polpas de frutas para agregar valor à produção e seguir aprimorando o sistema agroflorestal, atraindo cada vez mais assentados. Isso reverteria a tendência de pecuarização dos assentamentos da região, que seguem o modelo das grandes fazendas, onde ainda se troca mata por pasto ou, mais recentemente, por reflorestamentos de eucalitpos.

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