Genética sugere colonização anterior da América

Estudo de DNA de populações indica que homem teria povoado o continente há mais de 14 mil anos

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Por Agencia Estado
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A história da colonização humana das Américas pode ser mais antiga do que se imaginava. Se contada exclusivamente pelos registros fósseis da chamada "paleontologia física", o Homo sapiens teria povoado o continente por volta de 14 mil anos atrás. Já pela antropologia molecular, baseada no estudo do DNA de populações modernas, ela parece ganhar mais alguns milhares de páginas. Apesar de não haver ainda uma data cravada no calendário, todas as evidências genéticas apontam para uma colonização superior a 14 mil anos, segundo estudos apresentados no 51º Congresso Brasileiro de Genética, em Águas de Lindóia. No geral, o relato do povoamento das Américas ainda se parece mais com um jogo de baralho, no qual cada pesquisador joga uma carta diferente de acordo com as matérias que são analisadas. Há divergências grandes mesmo entre as evidências genéticas, dependendo do tipo de DNA e dos cromossomos que são analisados. "As perguntas ainda são as mesmas que tínhamos há 20 anos", resumiu a pesquisadora Maria Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "O consenso é muito pequeno." A única certeza - ou pelo menos o único consenso - é de que o continente foi povoado por populações migrantes da Ásia, que cruzaram o oceano por uma larga faixa de terra firme que se formou durante o último período glacial, a partir de 24 mil anos atrás, onde hoje existe o Estreito de Bering. Herança genética - Histórias que os ossos fossilizados não querem contar, entretanto, estão começando a aparecer na herança genética dos herdeiros mais diretos desses primeiros colonizadores - ou seja, nas populações ameríndias modernas. Uma das muitas pistas analisadas pode ser encontrada no DNA mitocondrial, o material genético das mitocôndrias que é de herança exclusivamente materna e que está sendo rastreado pelo geneticista Sandro Luis Bonatto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Segundo ele, houve uma enorme explosão populacional entre os antepassados americanos cerca de 23 mil anos atrás - o que poderia ser um reflexo do processo de povoamento do continente. Não é possível precisar, entretanto, onde essa explosão populacional ocorreu: se já dentro da América ou na própria Beríngia , antes da grande migração. "Minha aposta é que foi na Beríngia", disse Bonatto. Beríngia é o nome dado ao "continente" formado pela faixa de terra entre Ásia e América, que, no seu auge, chegou a ter 2 mil quilômetros de largura. O também geneticista Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aposta numa colonização de, no mínimo, 18 mil anos - informação genética que coincide com a época em que os níveis oceânicos estavam no nível mais baixo. "Essa é a data-chave", afirma Santos. Os vestígios genéticos não batem com a teoria defendida pelo pesquisador Walter Neves, da Universidade de São Paulo (USP), que descobriu o famoso fóssil Luzia, de 13.500 anos, em Minas Gerais. Ele propõe que a colonização ocorreu a partir de duas migrações: uma primeira, 14 mil anos atrás, que não deixou descendentes e uma segunda, 12 mil anos atrás, que teria dado origem às populações atuais. Mas se os dados moleculares das populações mostram uma ancestralidade anterior a 14 mil anos, isso sugere que houve uma única grande migração. E que ela deu certo. Fluxo contínuo - Análise anatômicas feitas a partir de crânios ameríndios fósseis colocam ainda mais peças no quebra-cabeça. Elas revelam a presença de características mongolóides, que só teriam surgido na Ásia a partir de 7 mil anos atrás. Isso indica que, mesmo que tenha havido uma única grande migração, o DNA asiático continuou a fluir para a América ao longo do tempo, talvez por meio de migrações menores, segundo o paleoantropólogo argentino Rolando Gonzáles-José, do Centro Nacional Patagônio. Diante de tantas teorias diferentes, os pesquisadores agora estão trabalhando juntos - geneticistas, paleontólogos, antropólogos e outros - para tentar chegar a um modelo unificado. "Chegamos ao ponto crítico. Temos de deixar as vaidades de lado, olhar o que já foi feito e tentar chegar a uma síntese", disse a geneticista Maria Cátira. "Ver as divergências é fácil, mas ninguém até agora fez o esforço oposto. Só vamos ter um panorama completo com a junção de todas as idéias."

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