Hepatite contamina mais que aids e recebe menos dinheiro

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Por Agencia Estado
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Duas comparações: as hepatites B e C contaminam sete vezes mais brasileiros do que a aids e, por isso, matam mais. No entanto, a aids tem muito mais visibilidade e recebe 13 vezes mais dinheiro do governo para campanhas educativas do que as hepatites. Conclusão: "As hepatites são um dos maiores problemas de saúde pública da humanidade", diz o hepatologista Hoel Sette, do Hospital das Clínicas da USP. "O governo tem no colo uma bomba viral. Se nada for feito de imediato, o Brasil presenciará o maior genocídio da nossa história", acrescenta Carlos Varaldo, presidente do Grupo Otimismo, ONG de apoio a doentes de hepatite C. A desvantagem das hepatites não termina aí. O Ministério da Saúde não tem estatísticas de quantas pessoas estão infectadas. O que há são cálculos aproximados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 2 milhões de brasileiros sejam portadores do vírus B e outros 3 milhões, do vírus C. Também não existem dados de mortes decorrentes das hepatites. Em relação ao HIV, os números do governo são exatos: 600 mil portadores do vírus e 10,9 mil mortes no ano passado. Em 2003, o ministério deu início ao mais amplo estudo sobre as hepatites A, B e C já feito no Brasil. A expectativa era de que o inquérito, nas 27 capitais, fosse concluído até o fim do mês. Até agora, porém, nem metade do trabalho foi feito. Os únicos dados disponíveis são das regiões Nordeste e Centro-Oeste, onde cerca de 0,5% das pessoas entre 20 e 69 anos têm hepatite B e aproximadamente 1,8% têm hepatite C. A conclusão do estudo, que é domiciliar, foi empurrada para o fim do ano que vem. A situação é semelhante em relação ao número de pessoas que estão se tratando pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O ministério diz que 4.500 doentes de hepatite C (dos 3 milhões) estão em tratamento hoje, mas não tem à mão informações sobre a hepatite B. De qualquer forma, o número certamente também é uma pequena fração dos estimados 2 milhões de doentes. O Ministério da Saúde admite que não teria como arcar com os gastos se todos os doentes procurassem o SUS. Os remédios para uma pessoa podem custar R$ 45 mil por ano. Em relação às campanhas de prevenção, o Ministério da Saúde destinou neste ano R$ 14 milhões à aids. A hepatite recebeu R$ 1 milhão, verba suficiente apenas para anúncios em rádios e em TVs educativas. A coordenadora do Programa Nacional de Hepatites Virais, Gerusa Figueiredo, lamenta que as hepatites, embora endêmicas, não recebam a devida atenção. "A aids surgiu no início da década de 80 e atingiu principalmente os homossexuais, que se organizaram rapidamente. Já a hepatite C foi identificada depois e as pessoas só se organizaram no fim dos anos 90. É um movimento recente, que aos poucos vai ganhando força", diz. As hepatites são causadas por vírus que atacam o fígado, responsável por centenas de funções, incluindo o metabolismo e a fabricação de proteínas, enzimas e hormônios. A hepatite A é a mais comum e o organismo reage sozinho - os números parciais do levantamento do ministério apontam que mais da metade dos jovens entre 10 e 19 anos já tiveram a doença. As hepatites B e C são as mais preocupantes. Os sintomas podem demorar anos para aparecer, quando a doença já está em estado avançado. Podem evoluir para cirrose e até câncer. Na semana passada, os 5 milhões de doentes comemoraram a aprovação no Senado da Política Nacional de Prevenção às Hepatites. Se for sancionada pelo presidente Lula, o SUS dará atenção à doença nos mesmos moldes da aids. Uma das pessoas que mais se empenharam na aprovação do projeto de lei foi o senador Eduardo Siqueira Campos (PSDB-TO), que lutou durante cinco anos contra a hepatite C. "Para que se curem, as pessoas primeiro precisam saber que têm a doença. E o mais cedo possível. Estamos dando um passo muito importante."

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