Indústria e ecologistas começam a dialogar. E todos ganham

Velhos inimigos agora buscam consenso, como ocorreu no projeto da Lei da Mata Atlântica.

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Por Agencia Estado
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Ainda não se pode falar em entendimento perfeito nem apostar que tal situação vá um dia ser atingida. O que se pode dizer com certeza, no entanto, é que o relacionamento melhorou. O movimento ambientalista e o chamado setor produtivo - aí incluídos indústria, agronegócio e ruralistas - já são capazes de sentar à mesma mesa e conversar. O que tem dado bons resultados. O exemplo mais recente é o projeto da Lei da Mata Atlântica. Depois de ter ficado 11 anos tramitando, a proposta foi aprovada na Câmara graças a muita negociação e, principalmente, ao fato de ambos os lados não terem se mantido inflexíveis. É uma nova situação, bem vista pelas duas partes, na qual as posições dogmáticas começam a dar lugar ao bom-senso e ao entendimento. "Hoje já é possível o diálogo", resume o ex-deputado federal Fábio Feldmann (PSDB), ambientalista de primeira hora e autor do projeto da Lei da Mata Atlântica. "Um exemplo é a tramitação desse meu projeto. Conseguimos chegar a um denominador comum com a bancada ruralista. Hoje já há um consenso em torno do desenvolvimento sustentado." A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tem posição semelhante à de Feldmann. "Quando entendemos a importância da questão ambiental, nós mudamos a nossa posição", diz Romildo Campelo, diretor-adjunto do Departamento de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da entidade. "Você não pode ficar lutando contra a verdade o tempo todo. A indústria entendeu que, sem sustentabilidade, não teria longevidade." Quando o movimento ambientalista chegou ao Brasil, ainda na década de 70, declarações como essas eram impensáveis. De um lado, os ecologistas defendiam a preservação pura e simples, preocupados com espécies ou ecossistemas específicos. Faziam muito barulho. "No começo, a atuação do movimento ambientalista era na base da denúncia", explica o deputado federal Fernando Gabeira, sem partido, um dos primeiros ecologistas do Brasil e fundador do Partido Verde. "Aos poucos, as denúncias foram incorporadas pelos meios de comunicação e absorvidas pela sociedade. O movimento ambientalista precisou, então, avançar e passar a propor soluções, em vez de só denunciar." Preconceito Quanto ao setor produtivo, preservar o ambiente significava custos, investimentos sem retorno, o que reduzia a competitividade das empresas. Conservação do ambiente e desenvolvimento eram vistos como incompatíveis. A ecologia era tida como um obstáculo ao crescimento do setor industrial e da produção agrícola. "Aos poucos, fomos vendo que não é bem assim", diz José Lauro de Quadros, presidente da Comissão de Florestamento, Silvicultura e Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul). "Entendemos que os recursos naturais só são renováveis se dermos tempo para isso." Também aos poucos, por motivos diferentes e caminhos diversos, ambientalistas e setor produtivo foram evoluindo e diminuindo as desconfianças mútuas, que, se ainda não acabaram de todo, são menores do que há alguns anos. Os ecologistas, ou pelo menos a maioria deles, abandonaram o radicalismo, a atitude denunciadora. "Eu sou um exemplo dessa mudança", assegura Mário Mantovani, diretor da organização não-governamental SOS Mata Atlântica. "Eu era um dos mais radicais. Sempre brinco que era daqueles que deveria ser mantido na coleira e com focinheira." Radicalismo Mantovani justifica essa posição pela dificuldade em explicar, na época, as questões ambientais que começavam a surgir e eram desconhecidas da maior parte da população. "Como poderíamos explicar os perigos da poluição do ar ou o risco de extinção das baleias em 1973?", indaga. "Tivemos de divulgar essas questões de forma diferente, com radicalismo. Com o tempo, passamos a nos valer da ciência, nos profissionalizamos", afirma. Hoje esse profissionalismo está presente em grande parte das ONGs ambientalistas. "Agora, elas são compostas por profissionais com mestrado e doutorado, com planejamento orientado por resultados e tendo como base ciência de boa qualidade, além, é claro, de sistemas de informação, gestão e captação de recursos muito bem estruturados", explica o biólogo José Maria Cardoso da Silva, ex-pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e atual vice-presidente de Ciência da ONG Conservation International do Brasil. "Essa é uma das mudanças mais importantes nas ONGs ambientalistas em relação ao que existia no início do movimento." Desperdício As razões da mudança no setor produtivo foram diferentes. Entre as principais está a questão financeira. "As indústrias entenderam que poluição significa desperdício, insumo mal aproveitado", explica o empresário Vítor Feitosa, que é assessor da presidência do Conselho Temático de Meio Ambiente (Coema) da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). "Outro fator que fez o setor produtivo evoluir na questão ambiental é a cobrança da sociedade, veiculada pelas ONGs. As empresas sabem que a pressão em favor do ambiente vem das comunidades onde elas estão instaladas. Então, tratam de preservá-lo." Para Silva, da Conservation International, essa nova atitude de ambientalistas e do setor produtivo, que parece pôr todos do mesmo lado em defesa do ambiente, reflete, de certa forma, o sentimento da sociedade. "Na verdade, acho que 90% da população brasileira é ambientalista hoje, desde que se defina ambientalismo como um movimento social em defesa do ambiente", acredita o biólogo. "A consciência ambiental no País ampliou-se significativamente e hoje a questão ambiental não é mais tema de conversa de alguns poucos, mas sim uma questão de grande importância em todas as ações da sociedade brasileira."

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