Infecção generalizada mata 6 vezes mais que acidentes de trânsito no País

Segundo a Sociedade de Terapia Intensiva do Rio, autora do levantamento, há deficiência no ensino da medicina - terapia intensiva não faz parte do currículo da graduação. Outro estudo indica que só um terço dos médicos sabe reconhecer a doença

PUBLICIDADE

Por Clarissa Thomé
Atualização:

No Brasil, mortes por sepse - termo médico para infecção generalizada - superam em seis vezes os óbitos no trânsito. Anualmente, 220 mil pessoas morrem da doença, uma reação exacerbada do organismo à infecção, enquanto acidentes entre veículos mataram 34.597 em 2008, de acordo com a última estatística disponível no Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde.A comparação entre os dados foi feita pela Sociedade de Terapia Intensiva do Estado do Rio de Janeiro (Sotierj), que pela primeira vez promove um congresso dedicado ao tema. O encontro termina amanhã. "O assunto preocupa porque há uma deficiência muito grande no ensino da medicina", disse Moyzes Damasceno, coordenador de terapia intensiva do Hospital de Clínicas de Niterói e presidente da Sotierj, que critica a formação oferecida pelas faculdades. "A terapia intensiva, especialidade dos médicos que atuam em UTIs, não faz parte da grade curricular das faculdades de medicina."Pesquisa do Instituto Latino-Americano da Sepse (Ilas), realizada com 917 médicos de 21 hospitais brasileiros, mostrou que apenas 27% sabem reconhecer a doença, provocada por uma reação do organismo a uma infecção - as toxinas liberadas pelo sistema imunológico para combater bactérias ou vírus são tão potentes que acabam atacando também órgãos vitais como rins, coração, pulmão e cérebro. Foi o que aconteceu por duas vezes com o mineiro Ricardo Cota do Álamo Júnior, de 12 anos. Ainda recém-nascido, contraiu pneumonia que evoluiu para sepse. "Os médicos demoraram para perceber. Ele teve hemorragia cerebral e depois desenvolveu hidrocefalia", conta a mãe, Adriana Álamo. No início do ano, Ricardo voltou a ser internado, por complicações provocadas pela hidrocefalia. Contraiu pneumonia e sepse. "Dessa vez era um hospital melhor, com profissionais bem preparados, que agiram prontamente. Ele só está comigo por causa desses médicos". Desde 2005, o Ilas encabeça no Brasil a campanha mundial Sobrevivendo à Sepse. Faz parte do trabalho arregimentar centros médicos, que têm seus funcionários treinados e passam a abastecer o Ilas com dados sobre a doença. Segundo o último relatório da instituição, de abril, 48,7% dos pacientes com sepse grave e 65,5% dos com choque séptico morrem no Brasil. No mundo, essas taxas estão em 23,9% e 37,4%, respectivamente. Padronização. "O desafio é padronizar a forma de tratar a sepse", diz Damasceno. O protocolo prevê o tratamento precoce com antibiótico e um conjunto de condutas a ser adotado logo que o paciente é internado - chamado de "pacote seis horas"."Nesse momento, o médico precisa medir o nível de ácido lático do paciente, que é um indicador de desidratação. Também tem de colher sangue e urina, para a cultura, que vai indicar a bactéria que causou a infecção. E, o mais importante, dar a primeira dose do antibiótico", descreve o médico. De acordo com dados do Isla, o índice mundial para o tratamento precoce com antibióticos é de 67%, enquanto no País é de 46,5%. A adesão dos hospitais ao "pacote seis horas" é ainda menor - 9% no Brasil e 13% no restante do mundo. PARA LEMBRARModelo morreu em 20 diasA modelo Mariana Bridi, de 20 anos, morreu em janeiro do ano passado depois de travar uma batalha dramática contra a sepse. A jovem, que foi duas vezes finalista do Miss Mundo, desenvolveu uma infecção urinária, que evoluiu para choque séptico. Na tentativa de salvá-la, os médicos amputaram as mãos e pés da modelo. Em vão. Ela morreu depois de 20 dias de internação.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.