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Justiça vai decidir sobre doação de feto sem cérebro

Por Agencia Estado
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Nascido há 22 dias, com uma má-formação no coração, Arthur depende de um transplante para sobreviver. Primeiro da fila no País, ele enfrenta um problema adicional enquanto espera por um novo órgão: tem como potenciais doadores bebês anencéfalos, ou seja, sem cérebro, condição interpretada de forma diferente entre especialistas do Direito e da Medicina e pela Igreja. Diante da divergência, os pais decidiram entrar na Justiça para garantir que o filho seja operado tão logo encontrem uma criança compatível. "Quero dar ao meu filho o direito à vida", diz o engenheiro Rafael Paim, de 29 anos, explicando que vai pedir autorização judicial já que a legislação que dispõe sobre a doação de órgãos e tecidos, segundo ele, é motivo de "mal-entendidos". Embora, no ano passado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) tenha publicado uma resolução (nº 1.752) autorizando o transplante do anencéfalo após seu nascimento, desde que haja a permissão formal dos pais, ele afirma que os profissionais têm receio de seguir a deliberação. "Os médicos não atuam por meio da Justiça, que, por sua vez, não faz nada porque acha que a lei já é clara. E a sociedade, quando lhe é negado esse direito, não reclama. Isso tudo, para mim, é um grande mal-entendido", avalia Paim, casado há um ano e meio com a também engenheira Beatriz, de 31 anos. Com 20 semanas de gestação, ela descobriu que o filho sofria de hipoplasia das cavidades esquerdas, anomalia que, em determinados casos, pode ser corrigida sem transplante. No caso de Arthur, porém, a artéria aorta é tão fina que é impossível fazer o coração dele funcionar adequadamente. Chefe do Setor de Cardiologia Pediátrica do Pró-Cardíaco, onde Arthur está internado, Rosa Célia avalia que a resolução do CFM não é um ponto pacífico entre os médicos, em decorrência das diversas interpretações relacionadas aos bebês que nascem sem cérebro. "É uma questão muito polêmica", diz, sem precisar quanto tempo seu pequeno paciente pode esperar para receber um novo coração. "Ele nos surpreendeu, pois nasceu até bem, apesar do problema. No entanto, já passou por uma cirurgia, um cateterismo (exame invasivo para inserção de uma pequena mola na artéria) e está com respirador artificial". Segundo Rafael, que criou um site (www.doeacao.com.br) para mobilizar a sociedade, dois pais de bebês anencéfalos entraram em contato com ele. No primeiro caso, a potencial doadora já havia morrido. "A outra pessoa falou comigo domingo. É tudo muito recente. Estou tentando criar um 0800 para que as pessoas possam chegar até nós. O primeiro passo para tentar salvar o meu filho é conseguir um doador. Aí eu entro na Justiça para garantir o transplante, caso o Arthur ainda seja o primeiro da fila e haja compatibilidade". Responsável pelo parecer que baseou a resolução do Conselho Federal de Medicina, Marco Antônio Becker deixa claro que não há nenhum impedimento ético para a realização de transplante de anencéfalos. "Basta apenas que a doação seja autorizado pelos pais", garante, detalhando que a lei de transplante (nº 9.434), de 1997, assegura a realização do procedimento no caso de morte encefálica. "É uma questão lógica. Na pessoa dita normal, ou seja, com cérebro, espera-se pela morte do tronco cerebral para ter a certeza de que todo o encéfalo está morto. No caso do bebê sem cérebro, não há razão para esperar por isso, pois ele não tem cérebro como um todo, apenas tronco cerebral funcionando, mas é um ente sem vida", diz o médico, acrescentando que já não é necessário haver parada cardiorrespiratória para que seja declarada a morte encefálica. A opinião de Becker e do CFM sobre a anencefalia, no entanto, está longe de ser um consenso. O Supremo Tribunal Federal (STF) até hoje não julgou o mérito de uma ação que garante à gestante o direito de antecipar o parto no caso de fetos sem cérebro. Diante da polêmica, o médico reconhece que, apesar da resolução do CFM, é aconselhável que os pais de Arthur recorram à Justiça. "Sobre o aspecto ético não há qualquer dúvida, não vamos processar ninguém por isso. Mas para que os pais tenham mais segurança, seria interessante conseguir uma ordem judicial, pois cada juiz tem uma sentença". Já Karen Khalili, da Luís Roberto Barroso Advogados, escritório que entrou com recurso solicitando antecipação do parto para gestantes de fetos anencefálicos, entende não ser necessário autorização judicial para garantir o transplante de Arthur. "Não é preciso. Basta que os pais dêem permissão", afirma.

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