Leishmaniose preocupa população de Campo Grande

Alterações ambientais, como desmatamentos, fazem doença, típica de regiões de mata, chegar a grandes centros urbanos, colocando em risco a vida de pessoas e cães

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Por Agencia Estado
Atualização:

Uma epidemia de leishmaniose visceral tem deixado em alerta as autoridades de saúde e a população de Campo Grande e outras cidades de Mato Grosso do Sul, sobretudo os donos de cachorros, principal hospedeiro da doença, transmitida pela picada de mosquitos conhecidos genericamente como flebotomíneos. Segundo o Centro de Controle de Zoonoses de Campo Grande, mais de 50% dos 1,6 mil cães recolhidos mensalmente na Capital estão contaminados. Em pessoas, já houve mais de cem notificações este ano no Estado, com 40 casos confirmados e oito mortes. A doença, que ataca os gânglios linfáticos e o baço, é considerada pelo Ministério da Saúde como emergente, ou seja, sua disseminação nos centros urbanos é recente e está ligada a desequilíbrios ambientais, principalmente o desmatamento, o avanço de fronteiras agrícolas e a urbanização. Segundo Expedito Luna, diretor de Vigilância Epidemiológica, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério, a doença é tradicional e endêmica no Brasil, mas está tendo uma mudança em sua ecologia. ?A leishmaniose, tanto a visceral como a de pele, era típica da zona rural, do caboclo que entrava na mata para plantar ou caçar e era picado pelo mosquito, que havia picado antes uma raposa ou gambá, tradicionais depositários dos parasitas. No final dos anos 70, as duas doenças começam a se aproximar de áreas urbanas e a aparecer, em sua forma visceral, em estados como São Paulo e Mato Grosso do Sul, onde nunca haviam sido detectadas anteriormente?, explica. A partir dos anos 90, a doença começou a aparecer em capitais do Nordeste, como Teresina, Natal, São Luís, Fortaleza e região metropolitana de Salvador, além de surtos em Belo Horizonte, Campo Grande e outras cidades do Mato Grosso do Sul e região de Araçatuba, em São Paulo. Atualmente, o plano emergencial do Ministério da Saúde para a leishmaniose visceral inclui 16 municípios: Campo Grande e Três Lagoas (MS), Araçatuba, Birigui, Mirandópolis, Penápolis e Andradina (SP), Palmas, Porto Nacional, Paraíso do Tocantins e Tocantinópolis (TO), Teresina (PI), Imperatriz, Caxias, Timon e João Lisboa (MA). As principais medidas de combate à doença são o controle químico do mosquito, o tratamento das pessoas contaminadas e o sacrifício dos cães contaminados. Embora o mosquito transmissor seja diferente do Aedes aegypti, transmissor da dengue, as recomendações à população para que a epidemia não se alastre são as mesmas: evitar o acúmulo de lixo orgânico e água parada. O flebótomo é um mosquito pequeno, cor de palha e grandes asas pilosas dirigidas para trás e para cima, conhecido por nomes como birigüi, mosquito palha, cangalinha ou asa dura. Conforme o diretor de Vigilância Epidemiológica, embora o desmatamento e outros fatores, como migração e circulação de mercadorias, sejam possivelmente as principais causas da expansão geográfica da doença, a leishmaniose ainda é pouco estudada. No Mato Grosso do Sul, a Secretaria Estadual de Saúde está criando uma Rede de Combate à Leishmaniose, cujo objetivo é justamente incentivar a pesquisa e sistematizar dados e informações, além de realizar capacitação para que diversos órgãos atuem em conjunto no combate à doença. Pontal do Paranapanema A relação entre desequilíbrio ambiental e o aparecimento de doenças, como os dois tipos de leishmaniose, é exatamente o foco das pesquisas da veterinária Alessandra Nava, especialista em medicina da conservação do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Um trabalho coordenado por ela nos municípios de Teodoro Sampaio e Euclides da Cunha Paulista, localizados no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, na época dos desmatamentos realizados para a implantação da barragem de Porto Primavera, mostrou um grande número de pessoas contaminadas pela Leishmania braziliensis, que causa infecção de pele. ?Essa é uma doença endêmica, que tem um equilíbrio e costuma infectar pessoas que estejam próximas à floresta, principalmente no horário em que o mosquito está ativo, por volta das 18 horas. A alteração ambiental, porém, causou um pico de pessoas infectadas?, conta. Segundo Alessandra, como os desmatamentos continuam na região do Pontal, na divisa entre São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná, a disseminação da doença pode continuar. Para a veterinária, o problema é agravado pelo fato dos médicos não estarem acostumados a receber casos de zoonoses (doenças transmitidas por animais). ?Com a leishmaniose acontece o mesmo processo da dengue. O mosquito que vive na floresta perde seu habitat e vai para a cidade, onde cria um novo ambiente, substituindo seus hospedeiros naturais, que são os mamíferos silvestres, por cães e também por homens. Quanto mais houver desmatamento, mais doenças vão aparecer?, diz. Segundo Expedito Luna, nos últimos dez anos, o Brasil registrou uma média anual de 30 a 40 mil novos casos de leishmaniose cutânea e de 3 a 4 mil da visceral, que é mais grave porque pode ser letal.

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