Lua, Marte e além: os planos ambiciosos da China no espaço

A missão Marte é uma das muitas programadas pelo país, que procura desafiar o domínio americano da exploração espacial

PUBLICIDADE

Por Steven Lee Myers
Atualização:

A China realizou algo que somente os Estados Unidos e (muito brevemente) a União Soviética conseguiram antes: aterrissar em Marte. Orbitando o planeta desde fevereiro, a missão chinesa Tianwen-1 enviou um veículo de aterrissagem numa descida difícil na superfície de Marte, onde desceu no sábado. O veículo, que transporta um rover, se juntou à nave espacial da NASA que já vem inspecionando o planeta.

A missão chinesa pode parecer menos sexy do que a mais recente da NASA, uma vez que basicamente repete as façanhas que americanos realizaram há décadas, mas representa mais uma etapa nas ambições da China para se tornar “uma grande potência espacial", como disse Xi Jinping no mês passado.

Primeira foto em alta definição tirada de Marte pela nave espacial chinesa Foto: Divulgação/Agência Espacial Chinesa

E mais etapas são previstas. Veja o que sabemos sobre elas:

PUBLICIDADE

A lua

Em janeiro de 2019, a China se tornou o primeiro país a aterrissar uma sonda no lado mais distante da lua, a parte que fica de costas para a Terra. Foi a segunda aterrissagem bem-sucedida realizada pelo país depois de uma em 2013.

Esse ano ela colocou um rover na superfície da Lua que ainda está operacional hoje, bem além dos três meses que eram esperados para durar. Desde abril, o rover percorreu quase 1,6 quilômetro do seu ponto inicial na cratera Von Kárman, perto do polo sul da Lua, de acordo com uma notícia da TV chinesa.

Imagem captada pela sonda lunar Chang'e. Foto: China National Space Administration (CNSA) via CNS / AFP

Em dezembro os chineses enviaram outra sonda para a Lua, que recolheu cerca de 1,8 quilo de rochas e terra perto de uma área vulcânica chamada Mons Rümker que foram trazidos para a Terra - as primeiras amostras lunares desde as recolhidas pela missão Luna 24 da União Soviética em 1976. Algumas das amostras foram exibidas para o público em Pequim com grande alarde.

Publicidade

A China nomeou suas missões de sondagem na Lua de Chang’e, a deusa da lua da sua mitologia. Três novas missões estão planejadas até 2027, com rovers adicionais, uma sonda voadora e até um proposto experimento de impressão em 3-D no espaço, de acordo com a agência espacial chinesa. A meta dessas missões é criar suporte para uma base lunar e visitas por astronautas, os “taikonautas” como são chamados pelos chineses, na década de 2030. Até agora, somente os programas Apollo colocaram pessoas na lua.

Em março, a agência espacial russa, Roscosmos, anunciou que trabalharia com a China na construção de uma estação de pesquisa lunar, mas até agora não foram divulgados detalhes dos planos conjuntos.

Uma estação espacial rival

O lançamento da China, em abril, do principal módulo da sua mais recente estação espacial atraiu mais atenção internacional do que era esperado - por razões erradas. Depois de alcançar a órbita, destroços do principal propulsor de foguetes caíram na Terra no que foi considerada uma “reentrada descontrolada”. Os destroços caíram no Oceano Índico, muito próximo das Maldivas e o fato gerou críticas sobre a maneira como a China realizou o lançamento do seu foguete Long March 5B.

PUBLICIDADE

E mais lançamentos são previstos. A missão foi a primeira de 11, necessárias para a construção da terceira e mais ambiciosa estação espacial da China no final de 2022. Dois outros foguetes Long March 5B transportarão módulos e outras variantes levarão aspeças menores. Quatro missões, uma planejada para junho, levarão de volta os astronautas chineses para o espaço depois de quatro anos.

As duas primeiras estações espaciais foram protótipos com vida curta, mas o objetivo desta atual é operar por uma década ou mais. Xi Jinping comparou-o a “duas bombas, um satélite”, uma exortação da era de Mao Tse-tung que se referia à corrida da China para desenvolver uma arma nuclear, montá-la num míssil balístico internacional e colocar um satélite em órbita. Como todas as realizações da China no espaço, esta vem sendo alardeada como prova das proezas do Estado governado pelo Partido Comunista.

Centro de Controle Aeroespacial de Pequim, responsável pela missão que enviou uma nave espacial chinesa aMarte Foto: Divulgação/Agência Espacial Chinesa

A Estação Espacial Internacional, erigida em conjunto pelos Estados Unidos, Rússia e outros países, está perto do fim da sua vida, em 2024. O que ocorrerá depois não se sabe. A NASA propôs manter a estação por mais alguns anos. A Rússia anunciou que pretende se retirar em 2025.

Publicidade

Caso a estação seja desativada, durante algum tempo a China será a única a manter uma estação espacial em operação por algum tempo.

A estação, chamada Tiangong, abrigará três astronautas para missões de longo prazo e seis para períodos mais curtos. A China selecionou um grupo de 18 astronautas, alguns deles civis (somente um é mulher). Os três primeiros deverão passar três meses no espaço, superando o recorde de 33 dias no caso dos astronautas chineses enviados em 2016.

Hao Chun, diretor da Agência Espacial Manned, disse a um veículo de imprensa estatal que astronautas de outros países poderão visitar a estação, ou a bordo de uma nave chinesa ou da sua própria, mas que será necessário um mecanismo de acoplamento “de acordo com os padrões chineses”, que são diferentes daqueles da Estação Espacial Internacional. Disse também que alguns astronautas estrangeiros já vêm aprendendo mandarim e se preparando para isso.

Marte e além

A sonda da China, chamada Tianwen (Perguntas ao Céu), nome de um poema chinês clássico, tenta numa única tentativa completar uma trinca de feitos que a NASA realizou durante vários anos. Ela alcançou a órbita em torno do planeta e agora com segurança colocou uma espaçonave na superfície. O próximo passo será liberar um rover, o que é esperado para os próximos dias.

Pouso foitransmitido em tela gigante em praça comercial de Pequim. Foto: Mark Schiefelbein/AP

A União Soviética foi o primeiro país a desembarcar uma sonda em Marte, em 1971, mas segundos depois de tocar o solo, o engenho parou de se comunicar, provavelmente por causa de uma tempestade de areia. E transmitiu uma única imagem incompleta ou indecifrável. Desde então, várias outras tentativas que foram feitas para chegar à superfície do planeta por diversos países fracassaram.

Antes de sábado, somente os Estados Unidos haviam conseguido aterrissar com sucesso em Marte - foram oito aterrissagens no total, a mais recente pela sonda Perseverance, em fevereiro. (A China tentou colocar uma na órbita de Marte em 2011, mas o foguete russo que a transportava não conseguiu sair de órbita e ambos os engenhos caíram na Terra).

Publicidade

O Tianwen da China vem inspecionando Marte e o local de aterrissagem, Utopia Planitia, uma ampla bacia no hemisfério norte onde a Viking 2 da NASA aterrissou em 1976.

O rover chinês, Zhurong, (ou deus do fogo) conduzirá diversos experimentos estudando a topografia, geologia e atmosfera do planeta. Um dos objetivos é compreender melhor a distribuição do gelo na região, que, em teoria, ajudaria a manter visitas pelas pessoas no futuro.

Imagem em preto e branco da superfície de Marte, capturada pela Tianwen 1 Foto: Divulgação/Agência Espacial Chinesa

A China planeja enviar um segundo rover para Marte em 2028 e colher amostras do planeta. É uma façanha complexa que a NASA e a Agência espacial Europeia já tentaram, esperando que a terra e as rochas recolhidas pela Perseverance sejam trazidas para a terra em 2031. A missão da China deve conseguir isso ainda nesta década, abrindo caminho para uma corrida espacial.

Além da possibilidade de uma missão tripulada a Marte no futuro, a China planeja uma única missão de 10 anos para colher uma amostra de um asteroide e passar por um cometa. E também propôs viagens a Vênus e Júpiter. Em 2024 o país pretende colocar um telescópio em órbita similar ao Hubble, que foi lançado em 1990. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.