Marina Silva quer conciliar preservação e desenvolvimento

Em entrevista à Agência Estado, pouco antes de receber o prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente, a senadora defendeu a criação de instrumentos econômicos para estimular a proteção do meio ambiente e fez uma advertência: não permitirá que projetos compensatórios na área energética causem danos à natureza

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Por Agencia Estado
Atualização:

Conciliar preservação e desenvolvimento é o desafio que se impôs a senadora Marina Silva (PT-AC) para sua gestão no ministério do meio-ambiente a partir de 2003. Ela defendeu a criação de instrumentos econômicos para estimular a proteção do meio ambiente e fez uma advertência: não permitirá que projetos compensatórios na área energética causem danos à natureza. ?O meio-ambiente não é o vilão da crise energética, que ocorreu por falta de planejamento?, afirmou. Em entrevista à Agência Estado, pouco antes de receber o prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente, Marina Silva disse que a questão dos transgênicos não é fator de crise entre ela e o futuro ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, porque ambos têm a convicção de que o assunto deve ser tratado com precaução e cautela?. AE - Como se traduz para as novas gerações o sonho do seringueiro Chico Mendes, assassinado há 15 anos por fazendeiros? Que lição desse episódio a senhora leva para o ministério? Marina ? Ele começou com uma luta localizada em Xapuri. O Chico criou o empate, uma categoria de luta semelhante ao piquete na porta de fábricas que consiste em não deixar derrubar o seringal. É algo muito ligado à necessidade de sobrevivência dos seringueiros. Toda a sobrevivência era extraída da floresta: a borracha, a castanha, a pesca e a roça de subsistência. Neste processo, o horizonte foi se ampliando. A resistência não se reduziu ao Acre, nem aos marcos da luta sindical. Passou a ter leque maior a partir da aliança com os ambientalistas. O sonho era o desafio de ver as pessoas vivendo melhor com a floresta sendo preservada. É a história do socioambiental que a gente fala. Isso me ensina muito e, com certeza, essa aprendizagem vai comigo. Aprendi com Chico a não ter preconceito de defender as coisas boas e corretas, mesmo quando vêm de segmentos com os quais eu não me identifico ideologicamente. Aprendi que não se deve ficar ansioso pela autoria das coisas, você pode até ter a idéia, mas, se para fortalecê-la, precisar repartir a autoria com outras pessoas, a gente deve fazer isso. Aprendi com ele a estar sempre disposta a reconhecer a realização como um produto coletivo. Isto é o que quero levar para o ministério. Desenvolvimento sustentável AE ? Como pretende tratar o desenvolvimento sustentável, assunto que entrou na pauta na década de 90, mas que continua hoje ainda uma tese? Marina ? O desafio da sustentabilidade tem de ser colocado no mesmo nível das utopias da humanidade. O desenvolvimento sustentável que parece um sonho, algo poético, é bem mais pragmático. Se nós continuarmos no mesmo caminho, temos de ficar muito temerosos sobre a nossa sobrevivência no planeta. A possibilidade de grandes catástrofes está colocada muito claramente. Precisamos dar um jeito na nossa visão de desenvolvimento, na forma de uso dos recursos naturais. Precisamos nos realinhar em termos de satisfações. Criamos uma ansiedade em termos de consumo que é impraticável com os recursos naturais disponíveis. Se nós teremos agilidade, comprometimento em viabilizar isso, não sei se seremos capazes. AE ? É uma visão catastrófica? Marina - Não quero ter uma visão catastrófica de nada, mas o desenvolvimento sustentável se impõe como uma necessidade estratégica para a humanidade. Imagino a cena, quando as pessoas olhavam há 300 ou 400 anos a mata atlântica, nunca pensariam que este bioma se reduziria a 7%. Vamos olhar na Amazônia. Temos dificuldade de visualizar o mesmo destino. Mas já aconteceu com a mata atlântica. E, se o mesmo processo continuar em curso, não tem por que imaginar que será diferente. AE ? O Brasil já está no caminho do desenvolvimento sustentável? Marina - No caso da Amazônia, temos experiências interessantes. Posso citar projetos agroflorestais do Acre, manejo comunitário, as empresas que hoje fazem manejo florestal buscando uso adequado dos recursos, pecuária com manejo de pastagem. No Pará, criou-se o Proambiente, em que os pequenos agricultores receberão bônus, espécie de compensação, por preservar o meio ambiente mesmo na agricultura familiar. Essas experiências são como laboratório do desenvolvimetno sustentável. Precisamos dar escala a estas experiências. É o grande desafio, implementar a Agenda 21. Minirreforma tributária AE ? A senhora defenderá projetos com critérios de desconto de impostos para quem preservar o meio ambiente? Marina ? Na reforma tributária nosso trabalho será o de viabilizar instrumentos econômicos. A minirreforma tributária tem a Cide, que estabelece que parte do recolhimento pode ser empregada na redução de impactos ambientais causados por empreendimentos envolvendo petróleo. E também um projeto aprovado no Senado, de minha autoria, que cria uma compensação para os Estados que têm área preservada. Falta passar pela Câmara. A proposta prevê a criação de uma reserva com 2% do Fundo de Partipação dos Estados e depois redistribuirá o dinheiro proporcionalmente às áreas preservadas (extrativistas, preservação permanente e reserva indígena) para investimentos com qualidade ambiental. Roraima, que tem quase metade do seu território preservado, teria um acréscimo de R$ 50 milhões para alocar num fundo de desenvolvimento. Daí, o fazendeiro acessaria o recurso para desenvolver a pecuária intensiva, em vez da forma tradicional. O investidor precisa de impulso inicial para ter vantagem econômica. Redistribuição de recursos com investimento com qualidade ambiental. O Acre receberia R$ 30 milhões. Nossa, faria uma diferença incrível. Com R$ 3 milhões nós colocamos seis mil famílias para voltar para a produção de borracha e castanha com condição de vida incomparavelmente melhor do que a da periferia de Rio Branco. Seria algo destinado para as pequenas comunidades e grandes empresas. AE ? No ministério, a senhora lutará pela aprovação destes instrumentos econômicos? Marina ? Com certeza. É combinação dos instrumentos de comando e controle com uma ação pró-ativa. Ao invés de ficar sempre na tecla da restrição e proibição, fazer algo afirmativo, como criar os instrumentos, viabilizar os meios, lidando com ações concretas de fomento, crédito e assistência técnica e, ao mesmo tempo, trabalhando a consciência das pessoas. Às vezes as pessoas querem ter lucro fácil em dez anos e inviabilizam o investimento que poderia servir para vida toda. Em Orolândia (PA) é como se fosse um cemitério de madeireiras. Fizeram uma política de terra arrasada. Isso também é estratégia de desenvolvimento econômico. Transgênicos AE ? Há discordância entre a senhora e o futuro ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, na questão dos transgênicos? Marina ? Ele tem afirmado o mesmo que eu: queremos segurança de que o produto não cause dano à saúde nem ao meio ambiente. Claro, por ser da agricultura, ele coloca os aspectos mais ligados à sua área. Mas vamos adotar o princípio da precaução, de cautela. Não é verdadeiro o argumento de que a não liberação do cultivo dos transgênicos com fins comerciais irá emperrar a pesquisa no Brasil. A restrição não atinge as pesquisas. A Embrapa já tem pesquisa em curso para a realidade brasileira. Outras instituições também. AE ? Mas se acena com a possibilidade de importar produtos transgênicos dos Estados Unidos, caso falte ração para o gado. Marina ? Esta discussão não precisa nos levar à idéia de que só existe milho transgênico para ser comprado. A própria Argentina tem regiões que produz milho tradicional, soube que o país tem 400 mil toneladas para comercializar. Ora, se tem não-transgênicos, por que vamos comprar transgênicos? Ainda temos a safra que se avizinha. Podemos usar várias possibilidades para evitar a falta de estoque. Tráfico de animais AE ? Na CPI de tráfico de animais se exibiram dois papagaios-do-papo-roxo raríssimos, que teriam sido capturados em terra indígena. Mogno também é retirado ilegalmente das terras indígenas. Como evitar esses abusos nas reservas? Marina ? Olhando do ponto de vista simplista seria a aplicação da legislação ambiental. Isso não é suficiente. Precisa combinar as ações de fiscalização e de punição das infrações com ações pró-ativas da política indigenistas. O branco contraventor, que utiliza, que explora, que induz, que corrompe... o tratamento é no nosso código. Já as comunidades indígenas precisam de uma política adequada por parte da Funai para não se constituírem num braço da contravenção. Temos uma política indigenista inadequada e pessoas que deliberadamente desestruturam as comunidades. A exploração não precisa ser feita na lógica do grande madeireiro predador. Não sei se funcionaria com os índios, mas posso citar o exemplo do manejo florestal comunitário dentro da reserva Chico Mendes, com seringueiros do Cachoeira, que dá condições de vida a estas pessoas com baixíssimos impactos na floresta e é inteiramente legal. Isto são casos a serem estudados para que a contravenção utilizando de má-fé das comunidades não tenha prosseguimento. Apagão AE ? Na época do apagão se tentou culpar a área ambiental pelo atraso de obras que amenizariam a crise energética. Haverá alguma alteração nos licenciamentos ambientais de termoelétricas e hidrelétricas? Marina ? O apagão não aconteceu por causa da morosidade na concessão de licenciamentos. O apagão ocorreu por imprevidência na utilização correta dos recursos hídricos. Houve uma falta de planejamento da parte da área energética. Esse planejamente teria de ser feito ao longo de anos e, infelizmente, não foi feito pelo governo. As ameaças de futuros apagões não podem ser utilizadas como instrumento para aprofundar a imprevidência na área ambiental. A pressa às vezes não é melhor solução. Estou me informando sobre o problema que também será discutido por todo o setor de infra-estrutura. Será um encaminhamento de governo. Agora, não podemos de modo algum colocar a questão ambiental como vilã desta história. AE ? Se diz que há bastante política para Amazônia, mas se esqueceu do cerrado, caatinga e mata atlântica. A senhora tem projetos específicos para estes biomas? Marina ? Todos precisam de políticas voltadas para a sua própria problemática. Não podemos negligenciar um em detrimento do outro. São realidades diferentes. O cerrado, a caatinga e a mata atlântica, que é motivo de preocupação porque só tem 7% da cobertura original, devem ser priorizados na dimensão em que cada um necessita. AE ? O novo governo se esforçará para aprovar no Congresso o projeto de preservação da mata atlântica, boicotado pelos ruralistas? Marina ? Todas as discussões, como o Código Florestal, a lei de acesso dos recursos da biodiversidade, que têm interface com o setor produtivo, sofreram todo o tipo de pressão. Certamente, estes projetos serão retomados por um outro nível de discussão, num novo processo, novo nível de diálogo. Também vamos ter um novo Congresso e um novo governo. É uma nova realidade.

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