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Opinião|Muitas eras glaciais

Cientistas descobriram regra simples para prever quando o ciclo esquenta-esfria ocorrerá

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Atualização:

Estamos passando por um período de aquecimento global. A camada de gelo no polo norte está diminuindo e a temperatura e o nível dos oceanos, subindo. Para nós, que vivemos menos de cem anos, isso parece novidade. Mas, se estivéssemos acompanhando o planeta nos últimos 2 milhões de anos, encolheríamos os ombros e comentaríamos: nada de especial, mais um desses ciclos de esquenta-esfria. O Homo sapiens surgiu e vive dentro do último desses ciclos. Já habitávamos a Europa no pico de frio desse ciclo, aproximadamente 20 mil anos atrás, quando o gelo cobria parte da Inglaterra. Nossos ancestrais acompanharam o degelo caçando os mamutes até sua extinção.

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Apesar de não compreendermos totalmente o que causa os ciclos, acreditamos que agora estamos vivemos um momento especial. Tudo indica que o aquecimento recente é causado pela atividade humana. E os outros ciclos, o que determinou sua recorrência? A primeira explicação foi proposta em 1941. O eixo em torno do qual a Terra gira sobre si mesma não é perpendicular ao plano formado pela orbita da Terra em torno do Sol. Por esse motivo, durante parte do ano o Hemisfério Norte recebe mais luz e durante outra parte do ano, o Hemisfério Sul (são os verões). Acontece que o ângulo entre esse eixo e o plano da órbita também não é constante ao longo do tempo. Ele aumenta e diminui, aumentando e diminuindo o calor que chega ao Hemisfério Norte. Mas essa mudança é muito lenta, e um ciclo completo demora 41 mil anos. Outros movimentos também alteram a quantidade de luz que atinge as diferentes áreas do planeta. Uma dessas alterações se repete a cada 21 mil. Tudo parecia simples em 1941, essas oscilações explicariam o esquenta-esfria. Mas quando os cientistas descobriram as datas exatas em que o gelo se expandia e contraia, ficou claro que esse fenômeno ocorre em média a cada 100 mil anos e não a cada 41 mil anos. E, além disso, às vezes ocorre, às vezes não ocorre. Ou seja, o fenômeno é mais complicado que parece.

Agora, finalmente, um grupo de cientistas descobriu uma regra simples capaz de prever quando esses ciclos ocorrem. Analisando os registros de todos os ciclos, que podem ser determinados pelas marcas deixadas pelas flutuações nos níveis dos oceanos (quando tudo congela, o nível dos oceanos baixa e quando degela, ele aumenta), e correlacionando esse dado com os ciclos de alterações do nível de insolação, foi possível determinar quando ocorreu o inicio do degelo de cada ciclo e relacionar isso com o pico de insolação registrado a cada 41 mil anos. Nos últimos 2,6 milhões de anos, foi possível mapear 104 momentos em que a insolação atingiu o máximo e correlacioná-los com o nível dos oceanos.

Nos primeiros 1,6 milhões de anos, os ciclos de degelo ocorreram a cada 41 mil anos, acompanhando os máximos de insolação. Mas no último milhão de anos por diversas vezes o pico de insolação não correspondeu ao inicio do degelo e em muitas vezes o degelo não ocorreu ou foi parcial. A “regra” dos 41 mil anos deixou de valer. A média entre degelos passou a ser de 100 mil anos. Os cientistas ainda não sabem explicar essa mudança, mas agora descobriram uma regra simples: depende da quantidade de gelo acumulado no Ártico. Quando há um pico de insolação, se a quantidade de gelo é pequena, não ocorre o degelo e quando a quantidade de gelo é grande, o processo se inicia. O interessante é que essa regra prevê todos os grandes degelos do último 1 milhão de anos, um total de 13 ciclos. A razão porque o excesso de gelo facilita o inicio do degelo ainda é um mistério, mas que a regra funciona, funciona.

Agora que sabemos a regra, você vai perguntar, como isso ajuda a entender o processo de degelo que vivemos? Os cientistas não comentam, mas uma coisa é aparente: o planeta passou por um máximo de iluminação faz pouco tempo (10 mil anos) e o gelo acumulado está próximo ao máximo nos últimos séculos. A predição é que um enorme degelo deve ocorrer nos próximos milênios e o nível do mar vai subir - e muito. Fiquei preocupado, mas como só vou viver 100 anos e meus filhos, netos e bisnetos mais 200, decidi que não vale a pena cancelar a construção de uma casa na praia.

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MAIS INFORMAÇÕES: A SIMPLE RULE TO DETERMINE WHICH INSOLATION CYCLES LEAD TO INTERGLACIALS. NATURE VOL. 542, PAG. 427 (2017)

* É BIÓLOGO

Opinião por Fernando Reinach
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