No Brasil, desafio é pescar com maior eficiência para manter estoques

Num primeiro momento, é preciso reduzir atividade, pois apesar da impressão de que se pesca muito pouco no Brasil, a verdade é que se pesca muito mais do que deveria

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Por Agencia Estado
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A pesca brasileira vive um dilema. De um lado, a necessidade de organizar e modernizar as atividades pesqueiras, para torná-las mais eficientes e lucrativas. Do outro, uma realidade de colapso ambiental: 80% das principais espécies exploradas na costa brasileira estão em situação de sobrepesca. Ou seja, apesar da impressão de que se pesca muito pouco no Brasil, diante dos seus 8 mil quilômetros de costa, a verdade é que se pesca muito mais do que deveria. "Temos um mar muito grande e rico em biodiversidade, mas de populações pequenas para cada espécie", diz o diretor de Fauna e Recursos Pesqueiros do Ibama, Rômulo Mello. As águas tropicais, que predominam na maior parte da costa brasileira, são tradicionalmente mais pobres em número de peixes do que as dos mares temperados e polares, por causa da menor concentração de nutrientes. "O deserto do Saara também é grande, mas não produz nada", compara o oceanógrafo José Angel Álvarez Perez, coordenador do Grupo de Estudos Pesqueiros do Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar (CTTMar) da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Santa Catarina. O País produz hoje 843 mil toneladas de pescado por ano, incluindo pesca oceânica e continental. O mito de abundância torna os estoques existentes ainda mais vulneráveis. "Na pesca é muito fácil avaliar o desenvolvimento sustentável. Se você pesca mais do que a população pode repor, o número de indivíduos cai rapidamente", explica o paraense Mello, cujo Estado é o maior produtor de pescado brasileiro. Foi o que aconteceu com a sardinha. Trinta anos atrás, as redes tiravam do mar brasileiro cerca de 200 mil toneladas por ano do peixe. Hoje, a produção mal passa das 17 mil toneladas. As sardinhas não ficaram mais espertas, nem foram se esconder em outro lugar. Elas simplesmente desapareceram, sem tempo para se reproduzir. A lagosta também foi vítima da sobrepesca: de 11 mil toneladas, em dez anos, a produção caiu para menos de 6.500 toneladas anuais. O mesmo ocorreu com o camarão, o piramutaba, a corvina e a pescada, todos com estoques em declínio. A grande questão, portanto, é: Como desenvolver a pesca, sem acabar com os peixes? A resposta: pescando melhor. Em primeiro lugar, dizem os especialistas, é preciso reduzir - ou no mínimo não aumentar - os esforços de pesca sobre espécies costeiras. O que significa, em muitos casos, reduzir o número de barcos na água. "Há muito mais embarcações pescando do que os estoques podem sustentar", afirma Mello. "Temos que reduzir a frota e dar uma alternativa a esses pescadores." Uma opção, segundo Perez, é transferir parte dos esforços para recursos menos críticos, como o peixe-sapo e outras espécies de profundidade e oceânicas, como o atum. Renovação O plano, esclarece Mello, não é proibir a pesca, mas torná-la mais eficiente e sustentável. A atividade hoje emprega cerca de 800 mil pessoas e movimenta um mercado de R$ 2 bilhões ao ano, incluindo a pesca oceânica e continental, segundo o Ibama. "Podemos até aumentar os esforços, desde que façamos isso de forma responsável", afirma Mello. O que implica em regulamentações bem definidas sobre onde, como e quanto pescar cada tipo de peixe. E, quando necessário, estabelecer períodos de defeso (proibição temporária), de modo que os estoques possam se reproduzir. Para isso é preciso conhecer intimamente o tamanho e a dinâmica de cada estoque, que é o objetivo do Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (Revizee), estudo que envolve 150 especialistas de 40 instituições de pesquisa. Até o fim do ano, eles esperam produzir um levantamento completo dos recursos pesqueiros do litoral brasileiro, que servirá de base para a formulação de políticas para o setor. "Não há vantagem nenhuma em manter os estoques pequenos, nem do ponto de vista econômico nem do ambiental", afirma Perez. Melhor do que aumentar a frota, diz, é renová-la tecnologicamente, com barcos melhores, capazes de agregar mais valor ao pescado. "Podemos ganhar mais dinheiro com a mesma quantidade de peixe", resume o pesquisador.

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