ONU mostra o potencial dos MDL ao setor privado

Projeto de seqüestro de carbono do Grupo Balbo triplicou co-geração de energia e vai retirar 50 mil toneladas de carbono por ano da atmosfera.

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Por Agencia Estado
Atualização:

O projeto de referência mundial para a execução do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), no setor sucro-alcooleiro, foi apresentado a empresários, investidores e técnicos governamentais hoje em Campinas, no interior paulista, por representantes de três agências da Organização das Nações Unidas (ONU): o programa de desenvolvimento (PNUD), o de comércio (UNCTAD) e o de desenvolvimento industrial (UNIDO). O projeto é do Grupo Balbo, de Sertãozinho, interior de São Paulo, e visa a melhorar a eficiência da queima de bagaço de cana para produção de energia, em sistema de co-geração. A empresa do grupo dedicada ao projeto é a Bioenergia Cogeradora. Aprovado em outubro de 2000 e iniciado em maio de 2001, quando o grupo produzia 10MW de energia a partir da queima de bagaço, o projeto terminou em maio de 2002, com a co-geração de 31MW, a partir da mesma quantidade de bagaço. "O interessante é que o processo de implantação gerou uma reformulação interna, sobretudo quanto à economia de energia e também passamos a ser usuários mais eficientes: em maio de 2001, o grupo consumia 95% da energia gerada e ´exportava´ 5% para a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), nossa parceira desde 1986. Em maio de 2002, estávamos consumindo 30% da energia gerada e ´exportando´ 70%", diz o diretor financeiro da Bioenergia, Clésio Antonio Balbo. A energia vendida à CPFL hoje representa 5% do faturamento do grupo e rende cerca de R$ 2,5 milhões ao ano. Por se tratar da intensificação da produção de energia a partir de uma fonte renovável ? triplicação da energia produzida com o mesmo bagaço de cana ? estima-se que o projeto vai retirar da atmosfera o correspondente a 50 mil toneladas de carbono por ano. Convertidas em créditos, de acordo com as atuais regras dos MDL, estas toneladas podem render algo entre US$ 130 e 150 mil/ano. "Isso, sem contar as adicionalidades de sustentabilidade, que, a meu ver, podem elevar o preço dos créditos, por se tratar de um carbono ´melhor´, do mesmo modo como o açúcar orgânico, produzido pelo Grupo Balbo, é negociado por um preço diferenciado, em um nicho de mercado que valoriza o produto sem agrotóxicos ou fertilizantes químicos", afirma Giovanni Barontini, advogado da empresa de Rosa, Siqueira, Almeida, Mello, Barros Barreto e Advogados Associados, que integra o consórcio de consultores, contratados pelo PNUD para medir os resultados do projeto. As adicionalidades de sustentabilidade são tecnologias, práticas agrícolas, sistemas de gestão ambiental, referências sociais e trabalhistas do Grupo Balbo, compatíveis com as recomendações dos MDL. Ou seja, indicadores de que a produção da cana-de-açúcar utilizada não é fruto de trabalho escravo, os trabalhadores são registrados, a produção é certificada, os impactos ambientais são reduzidos pela colheita de cana crua (sem queimadas), plantio direto (sem erosão do solo), adubação orgânica e outros fatores, que formam "um contexto de sustentabilidade, que nem todos as empresas do setor têm", diz Barontini. Segundo ele, o crédito de carbono, com tais adicionalidades, poderia valer até 3 vezes mais. "Elegemos o projeto da bioenergia como referência pelo pioneirismo e por se tratar de uma empresa modelo, que certamente vai incentivar outras usinas e interessar investidores", diz Augusto Jucá, do PNUD. Somente na apresentação do caso, nesta quinta-feira, Jucá já foi procurado por representantes de cinco empresas. O potencial de co-geração de energia de todo o setor sucro-alcooleiro brasileiro, com a tecnologia já disponível para a queima do bagaço, fica entre 3 a 4 GW (gigawatts ou mil megawatts). Se adotadas as tecnologias de ponta, ainda em fase de teste laboratorial, como a gaseificação do bagaço, o potencial sobe para 10 a 12 GW, estima o presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), Eduardo Pereira de Carvalho. A produção total de energia do País é de 74 GW. "Além da co-geração de energia, que ainda depende de investimentos para o aproveitamento máximo do bagaço, o setor contribui para a redução de emissões de carbono com a produção de álcool combustível", afirma Carvalho. Na última safra, foram produzidas 315 milhões de toneladas de cana em todo o País, 16% das quais no Nordeste, 70% em São Paulo e o restante nos estados do Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Minas Gerais. A produção de álcool, apenas na região Centro-Sul foi de 11 bilhões de litros , sendo que o compromisso do setor para a próxima safra é de produzir 12,6 bilhões de litros, o que representa um aumento de 14%. "O plantio de cana é rentável e atrai muitos produtores, sobretudo no cerrado brasileiro, para onde a cultura está se expandindo", diz o presidente da Unica. "Como o mercado de açúcar é de pouco dinamismo, cresce pouco, as perspectivas de expansão estão no álcool, tanto para o mercado interno, que tem necessidade de estabilidade no abastecimento, como para um mercado internacional promissor, mas que precisa ser desenvolvido". A produção de álcool combustível tem interessado outros países produtores de açúcar ? como Índia, Tailândia, Austrália, África do Sul, Guatemala e Colômbia ? cuja entrada no mercado internacional garantiria um abastecimento estável. Além disso, já existem interessados em adicionar álcool à gasolina para reduzir as emissões, entre os países do Anexo I do Protocolo de Kyoto, ou seja, aqueles com compromisso de redução de emissões. O Japão, por exemplo, quer estabelecer uma meta de substituição de 10% da gasolina por álcool, o que garantiria uma demanda anual de 6 bilhões de litros de álcool. "Não pretendemos ser o único fornecedor de álcool para o Japão, mas isso nos dá uma idéia do que pode significar o mercado internacional", diz Carvalho.

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