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Parto domiciliar ganha adeptos, mas ainda enfrenta resistência de médicos

Em meio ao crescimento desse modo de dar à luz, entidades médicas alertam para os riscos

Por Nina Martinez
Atualização:

O parto domiciliar, tendência que cresce no mundo todo e que já foi adotada por celebridades como Gisele Bündchen, vem encontrando resistência por parte da classe médica. Se por um lado gestantes e muitos médicos defendem um modo mais natural de dar à luz, órgãos como o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) alertam para os riscos da prática. Desde junho do ano passado, o Cremesp se pronunciou formalmente e passou a não recomendar o procedimento nos domicílios - salvo casos de urgência em que não há tempo de remoção para um hospital. As mulheres que não abrem mão de ter o filho em casa acabam recorrendo a parteiras e doulas - tipo de assistentes e apoiadoras. Embora não haja dados brasileiros sobre mulheres que preferem o lar ao ambiente hospitalar, sabe-se que o número é crescente. Na opinião delas, o parto feito em casa seria uma conquista porque é mais humanizado, permite menos intervenções médicas e ainda representa uma vivência de profunda intimidade feminina. Não à toa a ocorrência de partos em casa nos Estados Unidos subiu 20% entre 2004 e 2008, segundo pesquisa da 'Birth', publicação especializada em cuidados perinatais. O posicionamento do Cremesp não é uma medid a proibitiva, mas se o médico fizer um parto domiciliar e algo der errado, ele será cobrado, diz Silvana Morandini, conselheira do órgão. "Muitas vezes, a paciente aceita fazer parto em casa por ignorância, porque não sabe dos riscos que ela e seu bebê correm", explica. Entre os principais riscos apontados, estão a hemorragia, o sofrimento fetal e a parada de progressão, que podem resultar em danos graves e até em morte. "Não existe parto de baixo risco, porque tudo depende das intercorrências. No hospital há muito mais chances de tudo dar certo", diz ela. De acordo com a conselheira, os órgãos médicos não podem opinar sobre a escolha da mulher, mas eles têm, sim, a função de incentivar os médicos a orientarem suas pacientes sobre as possíveis dificuldades. Essa também é a posição de Vera Fonseca, diretora da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), um dos apoiadores do Cremesp, ao lado da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). "Parto domiciliar é voltar para trás. É não fazer uso da tecnologia que conquistamos para evitar as dificuldades de antigamente. A melhor forma de nascer é no hospital", atesta. Defesa Os defensores desse tipo de parto argumentam que ele é feito após um bom planejamento e somente se a mulher for cuidadosamente acompanhada durante todo o pré-natal e não tiver outros riscos ou doenças associados _ e se o bebê também estiver em condições. O acompanhamento na hora do nascimento também é rigoroso, com os equipamentos necessários e o hospital a ser procurado com urgência. Essa preocupação é reforçada por Carla Polido, obstetra que atendia partos domiciliares até março de 2011, quando firmou um convênio com a Universidade Federal de São Carlos (UFScar), onde leciona, que não permite o procedimento. "A equipe também tem de estar pronta para lidar com uma hemorragia e outras situações graves", diz ela baseada no fato de que certas situações não podem ser previstas - mesmo com um planejamento minucioso que prometa um parto seguro.

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"Ainda que os riscos sejam extremamente raros, as fatalidades podem acontecer a qualquer hora. E se você está em casa, tudo pode ser mais dramático", reconhece. Segundo a obstetra, a equipe que faz o parto não vai despreparada para uma residência, mas é importante que a família da grávida saiba quais são os recursos que podem ser oferecidos e em que ocorrências há mais dificuldade de reversão, exatamente por se estar em uma casa. "Ter um filho em casa é a maneira mais humana de dar à luz", argumenta Melania Maria Ramos de Amorim, obstetra e professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba. "Há um número alarmante de partos com intervenções desnecessárias que podem acabar em morte do bebê ou da mãe", diz. Para Melania, as gestações devem ser acompanhadas por médicos durante o pré-natal, mas os partos podem ser feitos por parteiras. "As obstetrizes são treinadas e bem preparadas tanto para casos simples como emergências", afirma. Para Ana Cristina Duarte, obstetriz e diretora do Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (Gama), "em casa, a tendência é que a mulher sinta menos dor e tenha uma melhor evolução", diz. Mas ela ressalva: "Parto em casa não é para qualquer uma". Depois de quase oito anos, o obstetra e ginecologista Jorge Kuhn não realiza mais partos em casa.  A decisão veio após a recomendação do Cremesp. "Não quero ir contra o órgão. Só que também não deixo de orientar sobre as possibilidades, caso a mãe possa e queira fazer em casa, e indicar parteiras que considero bem preparadas", diz. Segundo ele, a autonomia da mãe para escolher o tipo de parto não é total. "Os riscos são os mesmos, seja em casa ou no hospital. Mas quando ela ou o bebê estão em risco, a liberdade é parcial", diz. Kuhn também indica casas de parto, para quem tem receio de fazer na própria residência. Mas os médicos também são proibidos de atuar nesses locais, segundo o Cremesp. Lá os partos são feitos apenas por obstetrizes e enfermeiras obstetras. 

* Colaborou Cristiane Nascimento

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