Pesquisa revela o que está mudando na consciência ambiental

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Por Agencia Estado
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Desmatamentos, contaminação de rios, lagoas e praias e poluição do ar são os três piores problemas ambientais, no Brasil e no mundo. Entre os problemas ambientais locais, a falta de saneamento básico é o que mais preocupa os brasileiros, sobretudo os que habitam a região Norte e Nordeste. Uma grande maioria da população revela-se disposta a trabalhar de forma voluntária pelo meio ambiente, embora apenas 1% esteja vinculado a alguma entidade ambientalista. Estes são alguns dos resultados da terceira edição de uma pesquisa nacional de opinião, realizada a cada 4 anos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), sob coordenação de Samyra Crespo, do ISER. A pesquisa procura oferecer um retrato da consciência ambiental no Brasil, o mais completo possível e com dados comparáveis a pesquisas anteriores e informações de outros países, de modo a subsidiar os setores governamental e não-governamental na formulação de políticas de gestão ambiental e estratégias de promoção do desenvolvimento sustentável. Sua primeira edição foi divulgada em 1992 e a segunda em 1997. A novidade desta última versão, divulgada com exclusividade pela Agência Estado, é uma série de perguntas sobre consumo sustentável, ou seja, sobre a influência de questões ambientais e de saúde na decisão de compra de produtos e do consumo de bens e serviços, como energia e água. Com a nova bateria de perguntas, a pesquisa, inicialmente batizada de "O que o brasileiro pensa de Ecologia" agora chama-se "O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável". Foram 2 mil entrevistas domiciliares, feitas em outubro de 2001, com brasileiros de mais de 16 anos, de zonas urbanas e rurais, seguindo a proporção que melhor representa a distribuição da população brasileira, por idade, sexo, escolaridade, renda e região, conforme a amostragem utilizada em eleições presidenciais. Como nas edições anteriores, a coleta de dados foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope). Recursos naturais x automóveis, a grande contradição As florestas - em especial, a Amazônia - são o principal motivo de orgulho nacional, citadas espontaneamente por 28% dos entrevistados como o grande diferencial ambiental do Brasil em relação a outros países. Os rios ou a grande quantidade de água doce também foram lembrados, mas a proporção é pequena: 4%. Somados, os recursos naturais são a principal vantagem nacional para 39% da população, um percentual que cresceu em relação à pesquisa de 1997, na qual 30% dos entrevistados deram a mesma resposta. A Amazônia apareceu mais valorizada pelos habitantes da região Norte, entre os quais 49% apontaram as florestas como principais vantagens do Brasil. Também foi bastante valorizada pelos moradores do Sul e Sudeste (31%), perdendo importância nas regiões Centro-Oeste (28%) e Nordeste (18%). Apesar de todo o orgulho em ser brasileiro e "possuir um tesouro verde" na Amazônia, no plano individual, o automóvel é o símbolo da contradição ambiental nacional. Entre 1997 e 2001 aumentou de 25 para 29% o percentual da população que declarou ter o hábito de dirigir. E continua alto (51%) o numero dos que não querem abrir mão do conforto e não pretendem diminuir seu uso. Regular o motor é a concessão mais acessível aos proprietários de automóveis para reduzir a poluição e sua contribuição pessoal ao efeito estufa. Mesmo assim, caiu de 84 para 66% o percentual de entrevistados dispostos a fazer a regulagem. Também caiu - de 66 para 53% - o percentual dos que deixam o carro em casa uma vez por semana, compensado pela carona oferecida a um vizinho (não mencionada em 1997 e citada por 43% em 2001). Caíram igualmente os percentuais daqueles dispostos a comprar um carro mais caro, porém mais econômico, e a pagar mais impostos sobre combustíveis. Problemas alheios são melhor identificados A falta de saneamento ambiental (coleta de lixo, rede de esgotos e limpeza de ruas) é a maior dor de cabeça para os brasileiros que moram em cidades, aparecendo em primeiro lugar entre os problemas ambientais locais, com 18% das menções espontâneas. Poluição de rios, lagos ou praias, poluição do ar e desmatamentos vêm em seguida, nesta ordem, com 6, 5 e 3% das menções. A preocupação com a falta de saneamento é maior nas regiões mais desassistidas, como a região Norte, onde 30% da população considera este o principal problema ambiental local, e Nordeste, onde o percentual é de 20%. De certa forma, houve aqui alguma evolução, na medida em que o principal problema local, mencionado em 1992, era a proliferação de doenças a partir da água, um resultado fortemente influenciado pelos surtos de cólera, que então assolavam diversas cidades. A atual menção da falta de saneamento como principal problema, sobretudo na região Norte, soa como algo menos vinculado ao noticiário do momento e mais bem sedimentado na consciência ambiental. Vale lembrar que a região Norte hoje sofre um dos processos de urbanização mais drásticos do país, com o aumento da demanda por saneamento. Mesmo assim, a consciência de que este é um problema ambiental e sua eleição como o principal problema demonstra um certo nível de consciência, bem menos presente entre a população rural. Por outro lado, contraditoriamente, continuou alto o percentual de pessoas incapazes de identificar qualquer problema ambiental local. Mais da metade dos entrevistados responderam "não sei" ou "não há nenhum", nesta questão, reforçando a idéia de que os problemas ambientais são distantes e alheios ao cotidiano das pessoas comuns. Na pergunta referente a problemas ambientais nacionais e internacionais, a lista começa com o desmatamento (o principal problema nacional para 49% da população), seguido da contaminação das águas (29%) e da poluição do ar (15%). O resultado é semelhante ao da primeira pesquisa, de 1992, em que desmatamento e poluição dos rios também figuram em primeiro e segundo lugar, entre os problemas nacionais. A diferença é que, na época, as queimadas apareciam no terceiro lugar, agora ocupado pela poluição do ar. Mais consciência, mas ainda uma visão limitada Em se tratando de problemas ambientais globais, o nível de informação parece ter melhorado. Cresceu, por exemplo, o percentual de entrevistados, que afirmaram ter ouvido falar sobre efeito estufa. Em 1997, 46% da população tinha ouvido falar no fenômeno. Agora são 56% e, dentre eles, 76% foram capazes de dar a definição correta para efeito estufa. Já os organismos geneticamente modificados ou transgênicos são desconhecidos para 57% da população, mas dos 43% que já ouviram o termo 52% acreditam que oferecem risco à saúde e 59% acham que seu plantio deve ser proibido. A consciência ambiental também evoluiu, com mais gente optando pela qualidade ambiental, mesmo que à custa de sacrifícios econômicos, sociais ou de conforto pessoal. A resposta mais significativa, neste campo, é a referente às fontes sujas de energia. Apesar da pesquisa ter sido realizada em meio à crise do apagão, 38% dos brasileiros disseram preferir impor restrições à produção de energia, se esta ameaçar o meio ambiente. E cresceu de 51 para 52%, nos últimos 4 anos, o percentual dos que preferem menos poluição a mais empregos sem qualidade ambiental. Houve ainda um crescimento significativo - de 23% em 1997 para 31% em 2001 - do segmento da população, que identifica a necessidade de grandes mudanças nos nossos hábitos de produção e consumo para conciliar desenvolvimento e proteção ambiental. Entre 1997 e 2001, também cresceu - de 42 para 46% - o número de pessoas, que não consideram a preocupação com o meio ambiente um exagero. E continuou aumentado o percentual dos que consideram a natureza sagrada. Eles eram 57% em 1992, passaram a 59% em 1997 e chegaram a 67%, em 2001. Apesar disso, manteve-se a tendência de achar que os assuntos ambientais relacionam-se apenas a fauna e flora. Esta limitação da visão de natureza já havia se verificado em 1992, repetiu-se em 1997 e apareceu novamente nesta terceira edição da pesquisa, com poucas alterações nos percentuais. Com uma lista de 14 elementos na mão e convidados a indicar aqueles que estavam relacionados a meio ambiente, mais da metade dos entrevistados deixou de relacionar homens, mulheres, índios, favelas e cidades ao meio ambiente. A nota interessante fica por conta da região Norte, onde cerca de 40% das pessoas incluiu seres humanos entre os elementos naturais, em contraste com a região Centro-Oeste, onde os percentuais foram os menores do país (em torno de 23%). Disposição para ações voluntárias e até mudança de hábitos Uma proporção alta da população brasileira, mais de 70%, revela-se disposta a ajudar a proteger o meio ambiente e diz ter simpatia por organizações ambientalistas não governamentais (ongs). Mais de 50% também dizem se interessar em ser membros de entidades ambientalistas, embora apenas 1% estejam de fato ligados a alguma instituição deste tipo. As entidades defensoras de florestas e de animais em extinção estão entre os preferidas para novas adesões, enquanto os que se preocupam com saneamento ou questões urbanas são claramente preteridos. Muitos dos entrevistados não distinguem órgãos de governo de ongs, nem instituições de projetos. A instituição ambiental mais citada, tanto espontaneamente como de forma induzida, foi o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o órgão fiscalizador e executor das políticas ambientais estabelecidas pelo Ministério do Meio Ambiente. O Ibama obteve 78% das menções, numa questão de múltipla escolha. A Associação Mico Leão Dourado (na verdade, um projeto de conservação do WWF), o Greenpeace, a Fundação SOS Mata Atlântica e o Tamar (projeto governamental de proteção às tartarugas marinhas) vieram em seguida, com os respectivos percentuais de 25, 23, 18 e 14% das lembranças. O Amigos da Terra e o SOS Florestas obtiveram, cada um, 9%. Entre 1997 e 2001, cresceu a disposição de atuar junto a estas organizações em trabalhos voluntários (de 56 para 64%). O dado coincide com uma tendência observada por várias ongs, que têm sido procuradas por estudantes e aposentados, que querem contribuir de alguma forma. Algumas destas ongs começam a desenvolver programas - de educação ambiental, plantio de árvores nativas e intervenção em áreas prejudicadas por acidentes, derramamentos de óleo etc - para aproveitar a disponibilidade de tais voluntários. A tendência também tem se manifestado em outros países, sobretudo nos desenvolvidos, onde a força de trabalho voluntário, em projetos ambientais, chega a ser 10 vezes superior à de funcionários, como em alguns parques da Califórnia, nos Estados Unidos. Vale notar que, na região Norte, contribuir com dinheiro para organizações ambientais (52% dos entrevistados) suplanta a idéia do voluntariado, situação que se inverte no Sul e Sudeste, onde apenas 26% estão dispostos a fazer doações. Além do trabalho voluntário e das contribuições em dinheiro, os brasileiros ainda se revelaram dispostos a mudar alguns hábitos, sobretudo na separação de resíduos recicláveis (68%), diminuição de desperdícios de água (63%) e racionalização do uso de energia elétrica (37%) e gás (21%). Diante de uma lista de ações consideradas ambientalmente corretas, o brasileiro revelou, ainda, já estar mudando o seu dia a dia. Evitar jogar lixo tóxico em lixeiras domésticas, por exemplo, foi uma atitude que 59% dos entrevistados disseram ter realizado nos últimos 12 meses. Deixar de comprar produtos devido a informações contidas no rótulo foi citado por 46%, enquanto consertar produto quebrado para prolongar sua vida útil foi mencionado por 44%. Diminuir o consumo de carne por motivos de saúde esteve entre as ações praticadas por 39%, ao passo que 35% deixaram de comprar algum produto por ser danoso ao meio ambiente e 34% procuraram evitar organismos geneticamente modificados ou transgênicos. A diminuição no uso do automóvel foi uma realidade para 31% dos entrevistados, a compra de algum produto orgânico a opção de 26% e as reclamações contra produtos levaram 12% a órgãos de defesa do consumidor. Na hora de escolher os produtos, a consciência do brasileiro também surpreende. Dando um desconto aos 59% que se declararam consumidores de lâmpadas poupadoras de energia, devido à influência do apagão sobre esta decisão de compra, 44% se disseram consumidores de produtos com embalagens recicláveis e 36% afirmaram preferir os produtos "verdes". As mulheres pesam mais nas decisões de compras consideradas ambientalmente corretas.

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