Pesquisadores estudam lado social dos tubarões na Austrália

Projeto tenta desmistificar medo que as pessoas têm do animal

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Por Laura Parker
Atualização:
Tubarões no Taronga Zoo, em Sydney, Austrália Foto: Michaela Skovranova/The New York Times

Ao lado dos convencionalmente fofos cangurus e coalas de brinquedo que há muito tempo são vendidos na lojinha do Taronga Zoo, na Austrália, um recém-chegado se destaca: um tubarão de pelúcia felpudo.

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É uma isca para visitantes jovens, claro, mas se tornou também um símbolo dos esforços para explorar o lado mais doce desses animais tão temidos.

Em setembro, o zoológico começou a exibir um pequeno grupo de tubarões Port Jackson, um projeto conjunto com a Universidade Macquarie, no qual pesquisadores estão estudando o comportamento social dos tubarões para ajudar a combater a ideia errada de que eles são criaturas solitárias.

O segundo objetivo do projeto é elevar a condição social dos tubarões entre os humanos - uma preocupação particularmente relevante na Austrália, onde os ataques são tema frequente de manchetes sensacionalistas e se tornaram comuns os apelos para que sejam mortos, apesar do fato de ataques fatais acontecerem apenas uma vez por ano em média no país.

“Mais gente morre caindo de precipício fazendo selfies do que de ataques de tubarão”, afirma Culum Brown, professor assistente do Laboratório de Comportamento, Ecologia e Evolução dos Peixes da Macquarie, citando uma estatística global aparentemente bem documentada.

O projeto começou quatro anos atrás depois que um dos alunos de Brown propôs que eles investigassem se os tubarões compartilham os mesmos comportamentos sociais que os humanos - juntar-se por puro prazer na companhia dos outros, por exemplo. Apesar de já ser conhecido o fato de que algumas espécies, como o tubarão-martelo, formam grandes grupos, poucas pessoas pesquisaram por quê: se é uma questão social ou se os tubarões simplesmente são atraídos para um recurso em particular.

“O sentimento geral é que os tubarões são robôs - que são antissociais e andam por aí mordendo e matando coisas. Ninguém sabe sobre a vida social desses animais porque é notoriamente difícil acompanhá-los”, diz Brown.

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Brown reuniu um time de alunos e voluntários e passou três meses na Baía Jervis, na costa de Nova Gales do Sul, a 145 quilômetros de Sydney, vasculhando a água atrás de tubarões para a pesquisa. Os Port Jackson pareceram perfeitos - com cerca de 1,5 metros, são grandes o suficiente para ser vistos na água e em grande número. “São provavelmente o tipo de tubarão mais comum nas águas australianas” e relativamente amigáveis, conta Brown. “Se você segura um deles, ele tende a ficar quieto. Como um animal de estimação.”

A equipe de Brown colocou identificadores e soltou os tubarões, usando uma combinação de ferramentas de acompanhamento. O transponder passivo integrado, (PIT, na sigla em inglês), chips pouco maiores do que um grão de arroz, guardam peças eletrônicas que permitem que funcionem como um código de barras, que pode ser detectado e lido sem que o animal tenha que ser recapturado. Esses marcadores são inseridos em cada tubarão por uma pequena incisão do lado de baixo do animal.

Uma tarjeta acústica presa à barbatana de cada tubarão manda um sinal sonoro cada vez que ele chega a um décimo de quilômetro de um monitor sob a água, ou a nove metros de outro tubarão que está sendo acompanhado. Cada sinal tem uma autenticação, o que possibilita detectar quando um tubarão em particular esteve em uma determinada localização, e se entrou em contato com outros tubarões ali.

Durante o processo inicial de marcação, a equipe de Brown resolveu acompanhar 250 tubarões na Baía Jevis tanto com chips quanto com tarjetas acústicas. No ano passado mais 38 tubarões entraram para o programa. Das informações analisadas até agora, Brown descobriu que os Port Jackson acompanhados há quatro anos retornaram consistentemente a certas regiões. Primeiro, pensou que vinham para se reproduzir, mas depois descobriu que eram de idades e sexos variados, o que levou a outra teoria: os tubarões gostam de jantar juntos.

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Para eliminar a possibilidade de que os animais tenham sido atraídos pelo local ao invés de um pelo outro, Brown precisava de um ambiente artificial para observá-los de perto. Então entrou em contato com uma antiga aluna, Jo Day, que havia estudado interações sociais de golfinhos e agora trabalhava como pesquisadora e coordenadora de conservação do Taronga Zoo.

Apesar de Jo ficar entusiasmada com a possibilidade de criar um ambiente para tubarões, os executivos do zoológico precisaram ser convencidos - o local não tinha uma exibição de tubarões há 25 anos.

Em setembro, Brown trouxe dez tubarões, que imediatamente foram colocados em sua nova casa - uma piscina de 18 metros de comprimento, três de profundidade e sete de largura, com queda d’água e cavernas no fundo para se parecer com o tipo de lugar onde os Port Jackson se encontram na natureza. Apesar de os dados ainda precisarem ser analisados formalmente, as primeiras observações sustentam a hipótese de que os tubarões gostam de se reunir.

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“Ao invés de ficarem espalhados, eles estão sempre juntos. Já vimos isso na natureza também, mas aqui não há razão para que sejam atraídos por algo na piscina porque tudo é artificial”, conta Brown.

Além dos microchips e das tarjetas acústicas, os tubarões do zoológico têm acelerômetros presos a suas nadadeiras dorsais, para medir os padrões de movimentos em três dimensões. Três câmeras foram colocadas em volta da área de visualização sob a água, gravando aonde eles nadaram e o que fizeram. Isso permite que os pesquisadores comparem as informações produzidas pelo acelerômetro de cada tubarão com comportamentos em particular: nadar, descansar, comer e se reproduzir. Uma vez que um padrão esteja estabelecido, será possível para Brown e sua equipe determinar não apenas aonde os tubarões irão assim que forem soltos novamente na natureza, mas também o que estarão fazendo.

Esses acessórios de alta tecnologia ajudaram a tornar a experiência com os tubarões um sucesso para zoológico. “Sempre ouvimos as crianças falando coisas como: ‘Vamos ver os tubarões!’. A palestra de um dos tratadores na exibição atraiu cerca de 100 pessoas, todas espremidas nessa pequena área de visualização. É uma das exibições mais populares do zoológico hoje”, conta Jo.

Esse sucesso também deixa Brown feliz.

“O medo que as pessoas têm de tubarões é irracional. É difícil se livrar de um medo irracional, mas estamos tentando mostrar que os tubarões não são máquinas de matar, que são interessantes e fazem coisas interessante. A realidade é que os humanos matam milhões deles todos os anos. A maioria deles está sob ameaça de ataques de humanos e não o contrário.”

Recentemente, o filho de três anos de Brown visitou o zoológico com sua classe da escolinha. “Tudo o que ele queria falar quando voltou para casa era sobre os tubarões. Quer dizer, você tem girafas, gorilas e todo o tipo de bichos, e o que ele faz? Fala dos tubarões.”

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