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Política de austeridade elevará mortalidade infantil em 8,6% até 2030, diz estudo

Em artigo publicado na PLOS Medicine, cientistas apresentam simulações feitas com dados detalhados de todos os municípios brasileiros; sem o teto de gastos limitando programas sociais, 20 mil mortes de crianças poderiam ser evitadas nos próximos 12 anos

Por Fabio de Castro
Atualização:

As políticas de austeridade adotadas no Brasil contra a crise econômica poderão levar a um aumento de 8,6% da taxa de mortalidade infantil no País até 2030, em comparação a um cenário no qual os programas de proteção social não tivessem sua cobertura reduzida. A conclusão é de um estudo realizado por um grupo internacional de cientistas e publicado nesta terça-feira, 22, na revista PLOS Medicine.

Na projeção dos pesquisadores, sem a política de austeridade econômica, nos próximos 12 anos serão evitadas 124 mil internações e 20 mil mortes de crianças até cinco anos de idade. 

As políticas de austeridade fiscal levarão a um aumento de 8,6% da taxa de mortalidade infantil no Brasil até 2030, por conta de cortes nos programas de proteção social; sem a política de austeridade, nos próximos 12 anos serão evitadas 124 mil internações e 20 mil mortes de crianças até cinco anos de idade. Foto: PLOS Medicine

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Para fazer a estimativa, os pesquisadores se basearam em simulações do Banco Mundial, do  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e em dados do Ministério do Desenvolvimento Social e do Ministério da Saúde. A partir dessas informações, eles desenvolveram um modelo estatístico de simulação detalhada dos efeitos das mudanças nas taxas de pobreza e nos programas sociais, entre 2017 e 2030, em cada um dos 5.507 municípios brasileiros.

Participaram do estudo cientistas do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), do Imperial College London (Reino Unido), da Universidade Stanford (Estados Unidos), da Universidade Harvard (Estados Unidos), da Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais (Fiocruz Minas), do Ipea e da Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com o primeiro autor do estudo, Davide Rasella, pesquisador da UFBA e do Imperial College, os resultados mostraram  também que o impacto negativo das políticas de austeridade é maior nos municípios mais pobres e se deve especialmente ao iminente aumento da pobreza e à redução da cobertura dos programas sociais, em particular o Bolsa Família e o Saúde da Família.

"O nosso estudo sugere que uma redução da cobertura dos programas de redução da pobreza e de atenção básica à saúde podem resultar em um substancial número de mortes evitáveis de crianças no Brasil. Essas medidas de austeridade terão impacto desproporcional na mortalidade infantil nos municípios mais pobres, revertendo tendências anteriores de redução da desigualdade nos resultados relacionados à saúde infantil", disse Rasella ao Estado.

As centenas de simulações feitas pelos pesquisadores consideraram variados cenários de duração da crise econômica e de magnitude dos cortes nos programas sociais. Em todos os cenários a mortalidade infantil foi afetada.

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Segundo Rasella, um documento do Banco Mundial que estimava o aumento da pobreza em 2016 e 2017 em decorrência da crise econômica serviu de base para a elaboração do modelo matemático utilizado no estudo. Ele se baseia em micro-simulações para modelar  características individualizadas dos dados - neste caso, as informações específicas sobre todos os municípios - e associar a elas probabilidades de resultados em políticas públicas.

"Utilizamos a mesma matemática envolvida nesse estudo do Banco Mundial. A micro-simulação é cada vez mais utilizada em epidemiologia e é especialmente útil para avaliar ao mesmo tempo os impactos das políticas públicas em geral e em subgrupos pré-determinados. Nós utilizamos esse modelo para estudar as consequências da macroeconomia na saúde da população", afirmou Rasella. 

Assim, os pesquisadores partiram de dois conjuntos de dados. O primeiro consiste nas variáveis demográficas e socioeconômicas específicas de cada município, incluindo as tendências ao longo do tempo com o impacto dos programas sociais. O segundo é a magnitude do efeito de todas as variáveis independentes de mortalidade e hospitalização infantil. 

"Graças à riqueza dos dados que temos nas mãos, pudemos simular não só o comportamento da população em geral, mas de cada município", disse Rasella. "Os dados que utilizamos para nossas simulações não foram calculados pelo nosso grupo, mas pelos próprios Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social. Produzimos essas simulações com algumas das técnicas mais sofisticadas que existem à disposição", acrescentou.

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Para as previsões de mudanças demográficas foram utilizados dados do IBGE. Para a previsão da redução da cobertura do Bolsa Família e do Saúde da Família foram empregados dados dos próprios ministérios responsáveis pelos programas, além de simulações dos efeitos da Emenda Constitucional 95 produzidas pelo Ipea. 

Essas previsões foram simuladas de acordo com diferentes cenários em relação à situação econômica do País e em relação às políticas a serem adotadas - de austeridade ou de manutenção do programas sociais.

De acordo com outro dos autores do estudo, Romulo Paes-Sousa, pesquisador da Fiocruz Minas, o estudo mostra que os resultados das políticas de austeridade não se limitam à economia, mas acabam tendo efeitos sobre todas as políticas públicas e sobre o bem estar da população.

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"Fizemos um grande número de simulações e nosso trabalho foi extremamente rigoroso. Algumas conclusões são previsíveis, mas é importante quantificar esses números. O alerta que queremos fazer é que as variáveis socioeconômicas precisam ser consideradas quando se toma uma decisão que tem impactos no orçamento público. O impacto no bem estar da população pode ser muito grande se não levarmos isso em conta", afirmou Paes-Sousa.

Teto de gastos. De acordo com os pesquisadores, a medida de austeridade com maior impacto foi a Emenda Constitucional 95, aprovada em dezembro de 2016, que congela os gastos públicos por 20 anos. O estudo aponta que, com a emenda, não há possibilidade de um crescimento real dos investimentos em proteção social e em saúde. Com o crescimento e envelhecimento populacional previsto, o impacto negativo da emenda na saúde é inevitável. 

Segundo Rasella, para evitar uma degradação das condições de saúde seria preciso manter os níveis de investimento compatíveis com o crescimento dos níveis de pobreza verificados após a crise econômica. 

"Nossa modelagem mostra como deveria ser um sistema de proteção social satisfatório, seja do ponto de vista da assistência social ou da assistência à saúde. Nosso foco não é a crise econômica, mas as medidas de austeridade, que terão um impacto duradouro de 20 anos. Não podemos nos ater à simples variação do PIB, porque essa é uma medida muito geral da economia e não reflete a dinâmica da pobreza. No ano passado tivemos um pequeno crescimento do PIB, mas a pobreza aumentou."

Recursos. Em nota, o Ministério da Saúde disse que a Emenda Constitucional 95/2016 não congelou os recursos para a saúde. "Estabeleceu que, para a União, as aplicações mínimas em ações e serviços públicos em saúde já a partir de 2017 seriam de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) e, a partir de então, o piso seria corrigido pela inflação. A regra anterior previa o percentual de 15% da RCL a ser alcançado apenas em 2020. Com essa antecipação, a saúde ganhou R$ 10 bilhões a mais já no ano passado", disse. A nova norma protegerá a saúde de ter seu piso de gastos reduzido em momentos de contração da economia e de queda de receita, acrescentou a pasta.

O Ministério disse ainda que destina recursos crescentes para a saúde pública. "Em 2017, foram executados R$ 126,9 bilhões, sendo R$ 115,3 bilhões especificamente as Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). Para 2018, o orçamento aprovado pelo Congresso Nacional é de R$ 131,2 bilhões, sendo R$ 119,3 bilhões para ASPS."

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