Por que tanto interesse na Antártida?

São 29 países que marcam território no continente, que não pode ser explorado até 2048, mas tem imensa parcela de recursos

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Foto do author Luciana Garbin
Por Luciana Garbin e ANTÁRTIDA
Atualização:
Localizada a 3.115 quilômetros do Polo Sul, a nova estação Comandante Ferraz deve ser inaugurada em 2020, com a presença do presidente Jair Bolsonaro Foto: Clayton de Souza/Estadão

Não tem um grande país que não se interesse pela Antártida. As cinco nações permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU)Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido – estão lá, assim como outras 24. São os membros consultivos do Tratado da Antártica, países que desenvolvem pesquisas e têm direito a voto nas reuniões que decidem o futuro da área sob o paralelo 60ºS. O Brasil é um deles, assim como os vizinhos Chile e Argentina. Outros 24 países participam do tratado, mas sem direito a voto – são os membros não consultivos.

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Com 13,6 milhões de quilômetros quadrados, uma área equivalente a 8% do planeta, e cercada pelo Oceano Austral, a Antártida é considerada hoje de domínio internacional. Até 2048, vigorará um embargo definido pelo Protocolo de Madrid que impede a exploração dos recursos minerais do continente, incluindo água e petróleo, e garante liberdade para pesquisas científicas. A partir daí, as nações vão rediscutir os termos do tratado antártico. Como ninguém sabe como serão as novas regras daqui a três décadas, ninguém abre mão de suas pretensões ali, inclusive territoriais no caso de sete países – Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália, França, Noruega, Chile e Argentina.

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Trinta países possuem bases de pesquisa no continente. Desses, 19 têm pelo menos uma estação permanente, com destaque para os programas argentino, chileno, russo e americano, com o maior número de instalações. Os argentinos são os que estão mais próximos da Antártida – cerca de mil quilômetros de distância. E se orgulham de ter a estação permanente mais antiga da Antártida, inaugurada em 1904 nas Órcadas do Sul. Além dela são mais 12 bases na região – outras cinco permanentes e sete sazonais. Os chilenos também estão em grande número: têm 12 instalações – três permanentes, sete sazonais e outras duas de menor porte.

É bem verdade que a grande maioria dessas bases tem só militares desarmados, em vez de cientistas, e o requisito para poder decidir sobre o continente antártico é desenvolver pesquisas contínuas na região, e não espalhar bases por ela. Mas não se pode negar que a presença física dos dois vizinhos é bem maior que a do que o Brasil, que se tornou membro signatário do Tratado da Antártica em 1975 e foi alçado ao posto de membro consultivo no início dos anos 1980, após criar o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) e realizar a primeira expedição ao continente austral a bordo dos navios Barão de Teffé, da Marinha, e Professor Wladimir Besnard, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.

A disputa não se restringe aos vizinhos. A Rússia, por exemplo, possui 12 bases – cinco sazonais e sete permanentes. Uma delas foi construída sobre o então polo magnético do planeta, que se move alguns quilômetros por ano. Os EUA têm sete – três permanentes e quatro sazonais –, também em pontos estratégicos. A Amundsen-Scott, uma das que funcionam o ano todo, por exemplo, fica exatamente no Polo Sul geográfico. Já a McMurdo é a maior do continente, com capacidade para 1.258 pessoas e mais de cem construções, incluindo um porto, três aeródromos e um heliporto. A China vem investindo muito na região e tem quatro bases – incluindo Kunlun, a mais alta, a 4 mil metros de altitude, importante para pesquisas astronômicas.

“A presença dos outros países comparada com a nossa é impressionante”, resume o professor Paulo Eduardo Aguiar Saraiva Câmara, da Universidade de Brasília, que já esteve cinco vezes na Antártida. Para ele, essa presença das potências na área deve aumentar cada vez mais porque, com as mudanças climáticas, o aumento do lixo e o aquecimento do planeta, a Antártida pode se tornar o único lugar onde o homem consiga sobreviver no futuro. “Em algum momento da história, as nações vão se voltar para a Antártida, porque os recursos vão se exaurir. Vai acabar a água, vai acabar o petróleo, o gás e as únicas reservas estarão na Antártida. Se você pensar que são quase 14 mi de km², quase duas vezes o tamanho do Brasil, a quantidade de gás natural, petróleo, ouro, intacta, inexplorada, é enorme. Por isso é importante que o Brasil mantenha a presença lá. É o nosso futuro.”

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Segundo o professor de Geopolítica da Escola de Guerra Naval, Leonardo Faria de Mattos, o Brasil não tem interesse na exploração comercial dos recursos da Antártida, mas existe o temor de uma corrida desenfreada por recursos minerais no continente que atropele o tratado em vigor. Para ele, considerando o tamanho e o protagonismo do Brasil, é preciso melhorar a posição do País no continente austral.

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“Temos como sociedade de discutir a questão da presença brasileira na Antártida e pensar num segundo passo, que seria a construção de uma segunda estação”, defende. “A China, por exemplo, já está construindo a quinta estação, a Índia tem duas e os dois são países de grande população e com grande interesse na região. A forma de aumentar nosso protagonismo é ampliando nossa presença.”

Ele destaca ainda que uma corrida desenfreada pela exploração mineral da Antártida pode causar graves impactos no clima brasileiro, com reflexos para a agricultura. “Estamos mais próximos da Antártida do que imaginamos. Um navio saindo do porto de Rio Grande chega mais rápido lá do que em Manaus.”

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