27 de setembro de 2016 | 17h42
Atualizado 27 de setembro de 2016 | 21h09
Abrahim Hassan é o primeiro bebê do mundo a nascer a partir da combinação do DNA de três pessoas. O menino veio ao mundo há quase seis meses, no México, de acordo com um grupo de médicos americanos que supervisionou o tratamento. A informação foi revelada nesta terça-feira, 27, pela revista de divulgação científica New Scientist.
O bebê nasceu no dia 6 de abril. Seus pais, que são da Jordânia, viajaram para o México, onde passaram por um tratamento de fertilidade com um grupo de especialistas americanos liderado por John Zhang, do Centro de Fertilidade New Hope, de Nova York.
Pesquisa abre caminho para embrião sem óvulo
O procedimento, conhecido como transferência mitocondrial, foi legalizado no Reino Unido em fevereiro de 2015, mas até agora nenhum outro país introduziu leis que permitam o uso da técnica. O tratamento tem o objetivo de ajudar famílias cujos pais têm alto risco de transmitir doenças genéticas aos filhos.
Embora especialistas ouvidos pelo Estado tenham se declarado favoráveis ao uso da técnica e a comunidade científica internacional tenha comemorado o sucesso do procedimento, parte dos cientistas manifestou preocupação com os aspectos éticos do procedimento – que foi feito pelos cientistas americanos fora dos EUA, a fim de escapar do alcance da legislação, além de não ter sido feita nenhuma publicação científica descrevendo os detalhes do tratamento.
Em entrevista à New Scientist, Zhang afirmou que o tratamento foi feito no México, onde “não há regras”. Mas, segundo ele, a manobra se justifica porque “salvar vidas é a coisa mais ética a ser feita”.
Problema. A mãe do bebê tem um distúrbio genético fatal chamado síndrome de Leigh, que danifica o sistema nervoso em desenvolvimento. Esses danos não afetam o DNA do núcleo da célula, mas apenas o DNA que fica alojado na mitocôndria, uma estrutura celular que tem a função de gerar energia para as células. Como o DNA mitocondrial é passado exclusivamente da mãe para o bebê, a criança acaba herdando a doença. A síndrome de Leigh leva à perda progressiva das habilidades psicomotoras e resulta em morte em poucos anos, em geral provocada por falência respiratória.
Em dez anos, o casal teve dois filhos que herdaram a doença e morreram precocemente, além de outras quatro gestações interrompidas espontaneamente. Segundo a New Scientist, quando o casal procurou ajuda com Zhang, o médico decidiu tentar o procedimento de transferência mitocondrial. Assim, o núcleo do óvulo da mãe foi inserido no óvulo de uma doadora saudável, cujo núcleo foi removido. O óvulo então foi fertilizado com espermatozoide do marido e, depois, implantado na mãe.
Uma só mãe. “Eu acho a técnica perfeitamente válida. Ela permite à mãe que tem doenças mitocondriais dar à luz filhos saudáveis”, afirmou a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo ela, no entanto, não se deve pensar que a criança tem duas mães. “É um exagero dizer que a criança tem duas mães. Existe muito pouco DNA com características importantes nessas mitocôndrias. Cerca de 99% do nosso DNA vem do núcleo. A técnica usa o núcleo da mãe, portanto, a criança terá todas as características da mãe e do pai”, explicou.
Mayana afirma que a escolha de um país sem regulamentação de biossegurança para a realização do procedimento é polêmica. “É complicado. Por outro lado, o fato de a técnica ter sido aprovada no Reino Unido, um país extremamente cuidadoso com regras éticas, é um sinal de sua importância”, afirmou Mayana.
Segundo ela, seria importante que outros países seguissem o Reino Unido, aprovando o uso da técnica. “É uma esperança muito grande para mulheres que têm problemas mitocondriais e não querem passá-los para seus bebês.”
Técnica é proibida no Brasil pela Lei de Biossegurança
O procedimento de transferência mitocondrial seria considerado ilegal no Brasil pela legislação vigente, de acordo com o geneticista Ciro Martinhago, diretor da Chromosome Medicina Genômica. “Esse procedimento seria permitido no Brasil há poucos anos. Mas em 2005, com a aprovação da Lei de Biossegurança, foi proibida a manipulação genética de embriões no Brasil. Podemos fazer apenas a triagem de embriões com alterações”, disse.
Segundo o especialista, a proibição prejudica muitos casais. “Não há nenhuma outra técnica para ajudar essas pessoas a evitar que suas crianças herdem doenças extremamente graves”, afirmou. Em fevereiro, o uso da técnica, desenvolvida por cientistas da Universidade de Newcastle (Inglaterra), foi aprovado pela Câmara dos Comuns, do Reino Unido, que se tornou o único país onde há regulamentação específica sobre o assunto.
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