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Primeiro homem a receber coração de porco morre dois meses após transplante

David Bennett era considerado inelegível para enxerto homólogo; agência regulatória americana deu autorização emergencial para o procedimento que ocorreu em janeiro

Foto do author Leon Ferrari
Por Leon Ferrari
Atualização:

O primeiro homem a receber transplante de coração de porco modificado geneticamente, David Bennett, de 57 anos, morreu dois meses após o procedimento cirúrgico, que aconteceu no dia 7 de janeiro. A equipe médica informou que estava tendo dificuldades de manter o equilíbrio entre a imunossupressão e o controle dos quadros infecciosos que o paciente passou a apresentar. 

“Infelizmente múltiplos órgãos começaram a falhar e acho que isso resultou em sua morte”, disse Muhammad M. Mohiuddin, diretor científico do programa de xenotransplante (enxerto entre espécies diferentes) cardíaco da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland (EUA), instituição responsável pela cirurgia inédita.

David Bennett, 57 anos, com doença cardíaca terminal, com doença cardíaca terminal aceitou receber o transplante de coração de porco Foto: University of Maryland School of Medicine (UMSOM)/Apostila via REUTERS

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Conforme informou a equipe médica, o coração transplantado funcionou “muito bem” até os primeiros “45 ou 50 dias”, sem sinal de rejeição. Ainda monitorado na UTI, ele, até mesmo, apareceu cantando em um vídeo, enquanto esperava para ver na TV o Super Bowl (final do campeonato de futebol americano). Por meio de um canal no YouTube, a universidade americana atualizava sobre o estado de saúde de Bennet. 

Com doença cardíaca terminal, Bennett havia sido considerado inelegível para o transplante de coração convencional ou para receber bomba cardíaca artificial. “Era morrer ou fazer esse transplante”, disse o paciente, um dia antes da cirurgia. “Sei que é um tiro no escuro, mas é minha última escolha.”

Ao final de 2021, Food and Drug Administration (FDA), agência americana equivalente à Anvisa, deu autorização emergencial para que ele recebesse o coração de porco modificado. Para que o órgão não fosse rejeitado pelo sistema imune, Bennett tomou remédios imunossupressores.

“Estamos devastados com a perda do Sr. Bennet. Ele provou ser um paciente nobre e corajoso que lutou até o fim”, disse, em nota, Bartley Griffith, que comandou o transplante. “Bennett se tornou conhecido por milhões de pessoas em todo o mundo por sua coragem e vontade de viver.”

Os pesquisadores destacaram os ganhos científicos do estudo. “Como acontece em qualquer cirurgia de transplante pioneira no mundo, essa levou a informações valiosas que, esperamos, permitirão que cirurgiões de transplante obtenham melhores resultados, fornecendo benefícios que possam salvar a vida de futuros pacientes”, declarou Griffith.

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Mohiuddin afirmou que houve ganho de informações “valiosas”, como a possibilidade de um ser humano sobreviver adequadamente com um órgão de espécie diferente, desde que sob imunossupressão. “Continuamos otimistas e planejamos continuar nosso trabalho em futuros ensaios clínicos.”

Transplante inédito demonstrou que um coração de porco geneticamente modificado pode funcionar no lugar de um órgão humano sem rejeição imediata pelo corpo Foto: University of Maryland School of Medicine (UMSOM)/Apostila via REUTERS

A cirurgia inédita pela qual Bennett passou abriu uma nova era no estudo dos xenotransplantes. Cada dia de vida dele foi um tremendo ganho para uma comunidade de profissionais que há décadas busca uma alternativa aos transplantes homólogos (entre seres humanos), com objetivo de pôr fim às listas de espera por órgãos. 

Os xenotransplantes apresentam um conjunto de riscos, incluindo a possibilidade de desencadear uma resposta imune perigosa – que pode ser mortal ao receptor. Para evitar a reação imunológica do ser humano, além dos medicamentos imunossupressores, é usada a edição genética que nocauteiagenes do porco responsáveis pela rejeição no humano, e adiciona genes humanos, para promover a aceitação pelo organismo.

Após o procedimento cirúrgico, um dos principais desafios é encontrar o “equilíbrio feliz” na imunossupressão: um ponto no qual o órgão não seja rejeitado e o organismo não fique vulnerável abrindo espaço para as infecções oportunistas.

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