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Privatização da água é preocupação no Fórum de Cotia

A conciliação dos diversos usos da água, como energia, aqüicultura e turismo, com o saneamento e o abastecimento público estão entre os temas discutidos no encontro

Por Agencia Estado
Atualização:

Os efeitos da privatização da água sobre a população estão entre as preocupações centrais dos ativistas de vários países que participam do Fórum Social das Águas, que acontece desde domingo, em Cotia, São Paulo. A conciliação dos diversos usos da água, como energia, aqüicultura e turismo, com o saneamento e o abastecimento público, foi o tema dos debates de hoje, que reuniram cerca de 400 pessoas, a maior parte estudantes das escolas da região. Idealizado durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o Fórum das Águas está acontecendo simultaneamente também em Nova York (Estados Unidos) e em Florença (Itália), como um paralelo ao Fórum Mundial da Água, em andamento em Kyoto, Japão. "Nosso objetivo é mostrar que existem alternativas à privatização dos recursos naturais, que é uma conseqüência do processo de globalização e militarização que hoje imperam no planeta", disse a bióloga Janet Eaton, diretora do Institute for Global Creative Perspective, do Canadá. Segundo a ativista, há uma grande pressão das corporações privadas sobre os dirigentes reunidos em Kyoto para que possam controlar os sistemas públicos de água. "A água é um bem comum e deve ser controlado pela população. As experiências atuais mostram que os governos perdem o controle sobre a gestão do recurso quando fazem concessões ao setor privado, principalmente nos países mais pobres. O dinheiro disponível para o setor vem sempre dos organismos internacionais, como o Banco Mundial. É preciso capacitar os governos e as comunidades para utilizá-lo e não privatizar", disse. Além de problemas como aumento de tarifas e diminuição do acesso democrático à água, a falta de controle social sobre a água pode, segundo Janet, gerar conflitos de interesses internacionais. No ano passado, negociações para a concessão de exportação de água da Bolívia para o Chile foram motivo de forte reação da população boliviana, resultando em uma lei de avaliação da capacidade hídrica no País. Segundo o pesquisador boliviano José Francisco Mendia, a origem da água em disputa é um aqüífero muito rico, porém sem capacidade de recarga, por ficar em uma área desértica. Por isso não comporta uma exploração intensiva, para abastecer a agricultura chilena. "Depois de nossa experiência com a privatização do sistema de água em Cochabamba, não podemos aceitar este tipo de acordo, porque já sabemos seus efeitos", disse Virginia Amurrio, da Associação de Agricultores da região. Na opinião da ativista canadense Janet Eaton, o Brasil precisa se mobilizar para regular o uso do aqüífero Guarani, cujas águas divide com o Uruguai, a Argentina e o Paraguai. "Já existem corporações internacionais de olho neste recurso", diz. Guerra da Água A concessão dos mananciais de água de Cochabamba, na Bolívia, para a empresa norte-americana Bachtel, em 1999, é um dos maiores exemplos de conflitos gerados pela privatização do sistema de abastecimento. Segundo Virginia Amurrio, assim que assumiu o controle da água, a empresa aumentou as tarifas entre 150% a 180%, sem ter melhorado em nada o serviço. Inconformada, a população começou a se mobilizar contra os aumentos, principalmente os agricultores que utilizavam água na irrigação. As diversas manifestações resultaram em um acordo com os irrigantes, em janeiro de 2000, garantindo o controle das fontes de água comunitárias e a permissão de construírem poços profundos de até 400 metros. A resposta da concessionária, porém, foi um novo "tarifaço" de 250%, um mês depois. A população, então, deu um ultimato ao governo, mas não obteve resposta. Em abril, a situação ficou insustentável e culminou em uma verdadeira revolução, que ficou conhecida como Guerra da Água. Durante oito dias, a população tomou as ruas, em conflitos que deixaram um morto e muitos feridos, até conseguir a rescisão do contrato e a promulgação de uma lei de águas propostas pelos cidadãos. "Por conta disso, atualmente o governo da Bolívia responde a um processo de indenização movido pela empresa, nos Estados Unidos, no valor de US$ 25 milhões", conta Virgínia. Programação extensa Os debates no Fórum Social das Águas continuam amanhã, a partir das 14h, com os temas: gestão de resíduos e inovações tecnológicas para o saneamento das águas, fraudes ambientais na despoluição do rio Tietê, testemunhos internacionais, mecanismos de financiamento e o desafio ambiental na região da Represa de Guarapiranga. Na sexta-feira, os assuntos são Direito à Água, Direito à Vida, gestão de bacias hidrográficas e um fórum parlamentar das águas, com a presença de deputados e vereadores de vários locais do País. No sábado, haverá discussões sobre água e agricultura e sobre o controle social das águas, com a elaboração de uma proposta de um plano integrado de mobilização da sociedade civil para o manejo sustentável das águas no Brasil. O evento, que conta ainda com vários eventos paralelos, está acontecendo no quilômetro 25 de Rodovia Raposo Tavares, em Cotia, no Centro Muncipal de Campismo (Cemucam), um parque da Prefeitura de São Paulo.

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