Projeto Alcatrazes contesta prêmio à Marinha

Ambientalistas e pesquisadores de Alcatrazes contestam ?trabalho de preservação? da Marinha no arquipélago, usado como alvo de tiros de canhão

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Por Agencia Estado
Atualização:

A Sociedade em Defesa do Litoral Brasileiro (SDLB) contesta a notícia de reconhecimento à Marinha, pelo ?trabalho de preservação? no Arquipélago de Alcatrazes, SP, em uma carta aberta, divulgada hoje à imprensa. Na semana passada, jornais do Vale do Paraíba e de São Sebastião publicaram, que a Marinha do Brasil recebera um prêmio internacional da Sociedade Oceanográfica de Conservação Marinha, parceira da Sociedade Cousteau. Mas Marcelo Decoud, que representa a ong internacional no país, nega qualquer premiação ou distinção. ?Propusemos à Marinha iniciar um processo de certificação que, ao contrário de um prêmio, significaria a revisão de suas práticas no arquipélago e avaliação dos impactos ambientais dos exercícios militares?, reafirma Decoud. Ao saber das notícias veiculadas na região, ele enviou uma carta aos jornais desmentindo a premiação. ?Ficamos indignados porque o grande problema ambiental de Alcatrazes é justamente a Marinha, com seus exercícios de tiro?, diz Roberto Bandeira, presidente da SDLB, entidade responsável pelo Projeto Alcatrazes, que há 13 anos incentiva e apoia pesquisas no arquipélago, além de defender a criação de um parque marinho no local, ampliando a atual proteção de algumas ilhas e lajes, na Estação Ecológica Federal Tupinambás. O delegado da Capitania dos Portos em São Sebastião, Paulo Rogério de Souza Almeida, reconhece que não houve propriamente uma premiação, mas ?a intenção de incluir Alcatrazes na certificação internacional de Ilhabela pelo Cousteau Label?, objeto de uma cooperação entre a Sociedade Oceanográfica de Conservação Marinha e a prefeitura da ilha. Em um fax, dirigido ao delegado, Marcelo Decoud propõe a inclusão e afirma que a Marinha do Brasil seria ?a primeira instituição militar, a nível internacional, num processo de certificação ambiental?. Questão antiga O conflito entre a Marinha e os ambientalistas e pesquisadores, em Alcatrazes, é antigo e tem sua origem nos impactos dos tiros de canhão nas ilhas, utilizadas como alvo, em exercícios militares. Alcatrazes é o maior ninhal de aves marinhas do litoral sudeste e abriga 16 espécies endêmicas (exclusivas daquelas ilhas) de animais e duas de plantas, além de servir de área de alimentação e refúgio para baleias de Bryde, golfinhos pintados, cinco espécies de tartarugas marinhas e cerca de 150 espécies de peixes. Os tiros de canhão perturbam o ninhal e deixam buracos nos costões rochosos, visíveis à distância. No entender dos ambientalistas, os exercícios deviam ser objeto de licenciamento ambiental e estudo de impactos ambientais, questão atualmente discutida pelo Ministério Público Federal, inquérito civil público. Ibama autuado Segundo a carta aberta dos ambientalistas, ?a Marinha não poderia ser premiada pela preservação da natureza no arquipélago. Suas atividades em Alcatrazes, nesses últimos vinte anos, concentram-se na realização de exercícios periódicos de tiro de canhão sobre as encostas do Saco do Funil, na Ilha dos Alcatrazes, e sobre as Lajes do Pescador e da Gaivota, localizadas em plena Estação Ecológica Tupinambás, e sob administração federal direta do Ibama. É inconcebível que seja premiado o organismo militar responsável pela destruição, no arquipélago, de 25% de sua Mata Atlântica original, protegida pela constituição brasileira, onde se abrigam espécies únicas?. O documento afirma, ainda, que a fiscalização da Marinha no arquipélago, embora positiva, é exercida de forma esporádica e, ?por vezes, assume um caráter polêmico, chegando a extremos como multar o próprio Ibama?. Para os pesquisadores e ambientalistas, o agendamento de expedições científicas deve ser feito com 60 dias de antecedência, enquanto escolas de mergulho e outras embarcações recebem facilmente autorização para freqüentar Alcatrazes. O delegado da Capitania dos Portos desmente as restrições e desafia os ambientalistas a provarem qualquer multa ao Ibama ou citarem quais barcos receberam tratamento preferencial. A questão, de acordo com ele, resume-se aos exercícios militares. ?E uma decisão judicial de 1998 já concluiu que os exercícios da Marinha são lícitos e não podem ser proibidos?, lembra. Para Souza Almeida, o arquipélago só não está destruído, atualmente, devido à fiscalização da Marinha, que não permite a aproximação de barcos de pesca. A ex-chefe da Estação Ecológica, Carla Marcon, que acaba de ser transferida para outra unidade de conservação do Ibama, tem uma versão diferente. Segundo ela, no início de 2002, um barco alugado pelo Ibama, transportando três agentes e dois policiais federais, em missão de fiscalização, foi autuado pela Marinha, por estar em ?área proibida?. Do mesmo modo, numa operação recente, sete funcionários do Ibama, num barco do órgão, foram notificados pela Marinha, ?por estar em área proibida, que era a Estação Ecológica, administrada pelo próprio Ibama?, explica. Para Carla, o problema é a sobreposição de jurisdições em Alcatrazes. ?Mais do que discutir quem autuou quem, o importante é o Brasil se perguntar o que quer em relação a Alcatrazes. Uma área estratégica de treinamento ou uma unidade de conservação ambiental??.

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