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Projeto da Mata Atlântica ainda contrapõe proprietários e ambientalistas

As duas partes consideram positiva a aprovação do projeto na Câmara. Mas, para silvicultores, a definição de Mata Atlântica ficou abrangente demais; para ambientalistas, punições a infratores são muito brandas

Por Agencia Estado
Atualização:

Onze anos de tramitação e muita negociação não foram suficientes para acabar com a polêmica em torno do Projeto de Lei 3.285, que fixa regras para a preservação da Mata Atlântica, aprovado na quarta-feira na Câmara Federal e que agora irá para o Senado. Entre os que lutam pela regulamentação, o diretor da organização não-governamental SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, diz a lei será um avanço. "Ela é fruto da negociação", diz. "Por isso, é boa para todo mundo, ambientalistas, setor produtivo e meio ambiente." Entre os descontentes com a nova lei estão os silvicultores, por exemplo. Eles querem definições mais claras sobre a abrangência da área a ser preservada. O direitor-executivo da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), José Lauro de Quadros, diz que definição de Mata Atlântica na lei "é muito abrangente". "Pega 45%, por exemplo, do território do Rio Grande do Sul", argumenta. Veja as opiniões em entrevistas ao Estado: Quadros Estado - Qual a sua opinião sobre a aprovação da Lei da Mata Atlântica na Câmara? José Lauro de Quadros - É bom, porque agora existe uma lei que diz como a Mata Atlântica deve ser manejada e protegida. Além disso, a existência de uma legislação permite que o governo fiscalize o que é feito com a mata, punindo quem infringi-la. Estado - O sr. vê algum aspecto negativo na lei? Quadros - Vejo. O principal deles é abrangência da definição de Mata Atlântica. Pelo que foi aprovado, ela abrange 45% do território do Rio Grande do Sul e 100% de Santa Catarina e do Paraná. Dependendo da sua regulamentação e interpretação, a lei poderá engessar grandes áreas usadas pelo setor produtivo. Estado - Quais podem ser as conseqüências disso? Quadros - O meio ambiente foi degradado pela ação do homem, mas se ele fez isso foi por necessidade, para sobreviver. Devemos cuidar do meio ambiente para salvar o homem e não o contrário. Hoje o que vemos é o êxodo rural, o desemprego, a violência no campo e na cidade. Só há uma maneira de reverter isso. É retomar um processo de desenvolvimento que evite o êxodo rural. Se engessarmos o uso dos recursos naturais renováveis em nome da defesa radical do meio ambiente não conseguiremos isso. Estado - Como compatibilizar desenvolvimento com preservação do meio ambiente? Quadros - Usando os recursos renováveis de maneira sustentável, gerando renda e emprego e mantendo o homem no campo. Caso contrário o Brasil será maravilhoso para seqüestrar carbono e evitar o efeito estufa, mas à custa da violência e do desemprego. O Brasil quer fazer o papel de bom da comunidade internacional na questão ambiental às custas disso. Estado - O sr. não acha importante a defesa do meio ambiente? Quadros - Nosso setor é o maior defensor dos recursos naturais renováveis, porque dependemos deles. Além disso, pensamos nas gerações futuras, nos filhos, que também precisarão deles. Mas é preciso que se permita a atividade produtiva. Queremos produzir sem destruir os remanescentes da Mata Atlântica. Mantovani Estado - O que significou para o movimento ambientalista a aprovação da Lei da Mata Atlântica na Câmara? Mário Mantovani - Aprendemos a arte da negociação, a não achar que todo mundo que quer discutir quer prejudicar você. Quando o projeto foi aberto para emendas, nós criticamos o presidente da Câmara, João Paulo Cunha, e até o presidente Lula, acusando-os de abrir mão do projeto e entregá-lo aos ruralistas. Mas das 85 emendas apresentadas, foram aprovadas quase todas. E elas trouxeram contribuições fantásticas, que resolveram todos os impasses. A lei aprovada fugiu do "é proibido" do "não pode". É uma lei que garante o uso sustentável da floresta. Por isso é daquelas que vão "pegar". Estado - Quais os principais aspectos positivos da lei que o sr. destacaria? Mantovani - A previsão de criação de um fundo para recuperação de áreas degradadas, incentivos creditícios para quem conservar e a própria definição do bioma Mata Atlântica e os ecossistemas associados, delimitados em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso inclui floresta densa, mista, mata de araucárias, além de manguezais, vegetação de restinga, campos de altitude, brejos, encraves florestais do Nordeste. Estado - E os aspectos negativos? Mantovani - O fato de a lei ser um pouco branda. Ela protege apenas os 7,3% que restaram da Mata Atlântica original. Estado - Quais foram as conseqüências da demora da tramitação do Projeto de Lei? Mantovani - Perdemos um milhão de hectares de Mata Atlântica nesses 11 anos, além de mananciais de água, fertilidade do solo e biodiversidade. Estado - Mas esses 11 anos de debates e negociação não contribuíram para melhorar a lei? Mantovani - Sim. Ela agora está atualizada com a lei dos crimes ambientais, a dos recursos hídricos e a do acesso à diversidade genética. É uma lei atual, que define com clareza o que deve ser protegido. Só que essa demora teve um preço muito alto.

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