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Recursos naturais tornam-se combustíveis de guerra

Estudo do Worldwatch Institute, divulgado nos EUA, expõe a relação entre conflitos armados e a exploração de petróleo, minerais e madeira

Por Agencia Estado
Atualização:

Nos anos 90, mais de 5 milhões de pessoas foram mortas em conflitos relacionados à exploração de recursos naturais, outros 5 a 6 milhões foram obrigados a cruzar fronteiras como refugiados e 11 a 15 milhões abandonaram suas regiões de origem, migrando dentro de seus países. Embora estas guerras ainda tenham alguma conotação ideológica ou tenham se originado em disputas étnicas, a grande força que as sustenta, hoje, é econômica. Pelo menos US$ 12 bilhões por ano são movimentados por estes grupos em conflito, que incluem governos, guerrilhas, rebeldes ou máfias, atualmente no controle da extração ou comercialização de recursos naturais. Petróleo, gás, diamantes, ouro, madeira ou minerais usados em novos produtos - celulares, computadores e pagers - são trocados por armas, alimentando e prolongando guerras em países como a República Democrática do Congo, Colômbia, Indonésia, Burma, Libéria e Nigéria. Os mesmos recursos sustentam esquemas predatórios de exploração, mesmo onde os principais conflitos armados terminaram, como no Afeganistão, Angola, Camboja, Papua Nova Guiné e Serra Leoa. "Além do alto preço humano, pago nestas guerras, muitos dos conflitos relacionados a recursos ocorrem em áreas de grande valor ambiental, acelerando desmatamentos e dizimando a vida silvestre", observa Michael Renner, autor do estudo "A Anatomia das Guerras de Recursos", divulgado hoje pelo Worldwatch Institute, em Washington, nos Estados Unidos. Embora não tenha avaliado o Brasil, porque não há conflitos armados generalizados no país, Renner disse, em entrevista à Agência Estado, que algumas destas guerras começam com a ação predatória de grupos criminosos organizados, apropriando-se indevidamente dos recursos naturais, como foi o caso de Serra Leoa (diamantes). O mesmo tipo de organização criminosa, que hoje controla, por exemplo, a extração de mogno em algumas partes da Amazônia e o garimpo de diamantes em Cacoal, Rondônia, na área dos índios cintas-largas. "Em muitos casos, mesmo as operações legais de companhias de petróleo, mineração e extração de madeira criam severas tensões com populações locais e comunidades indígenas. No Equador, Peru, Nigéria, Camarões, Indonésia e Papua Nova Guiné vêm se configurando cenários similares, de destruição ambiental, desigualdade econômica e alienação social", argumenta Renner, que trabalhou praticamente um ano no levantamento de dados para o estudo. Aos problemas ambientais criados - contaminação da água, destruição de terras agrícolas, destruição de áreas de caça ou pesca e desmatamentos - somam-se rupturas sociais, derivadas da construção de novas vias de acesso e da chegada de migrantes e trabalhadores ligados aos madeireiros ou mineradoras, aumentando as tensões, sem repartir os benefícios das novas atividades. "Ao contrário dos movimentos de base ideológica, aqueles que estão apenas atrás de riquezas não competem pelos corações e mentes da população local", diz o estudo. Para eles, a violência tem uma função econômica. Manter a relação de conflito traz retorno financeiro e alimenta a corrupção e, portanto, tende a ser prolongada. Por isso, não foi surpresa para o autor constatar que 12 países, dentre os 25 maiores exploradores de minerais, e 6 dos 25 maiores exploradores de petróleo estão entre os mais pobres e endividados, de acordo com a classificação feita pelo Banco Mundial. E quase todos têm péssimos índices de desenvolvimento humano (IDH), conforme os critérios estabelecidos pelo Programa das Nações Unidas sobre Desenvolvimento (PNUD). ?Hoje as organizações não-governamentais e as Nações Unidas estão mais atentas a este tipo de conflito, alimentado pela extração de recursos naturais?, acrescenta Renner. Há mais estatísticas, mais dados. E começa a haver um questionamento sobre a origem dos produtos comercializados internacionalmente. ?Calcula-se, por exemplo, que 50% da madeira da Indonésia é extraída ilegalmente. Para a De Beers, a maior empresa de comercialização de diamantes do mundo, cerca de 4% das pedras vendidas no mercado internacional vêm de regiões de conflito e há quem diga que é bem mais, que chega a 20%?, diz. A busca pela paz, portanto, ultrapassa as negociações diplomáticas usuais, a luta pela democratização política e igualdade social. De acordo com o estudo, para reverter a situação propícia a conflitos deste tipo é preciso recorrer também a soluções ambientais, como a certificação global dos recursos naturais, de modo que se possa rastrear sua origem; a melhoria do monitoramento de organizações internacionais; o estabelecimento de sanções, embargos e a punição do comércio ilegal de recursos. Outra alternativa importante é facilitar a diversificação da economia, nas regiões extrativas, diminuindo a dependência de um só recurso natural ou aumentando o grau de beneficiamento dos produtos, para agregar valor e aumentar o retorno às comunidades locais.

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