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Saliva do mosquito pode aumentar severidade da dengue, diz novo estudo

Cientistas dos Estados Unidos e Bélgica mostram, com experimento em camundongos, que saliva do Aedes aegypti torna vasos sanguíneos mais permeáveis, acelerando o alastramento do vírus

Por Fabio de Castro
Atualização:

A saliva do mosquito Aedes aegypti pode ter um papel importante na gravidade da infecção por dengue, de acordo com um novo estudo feito por cientistas da Bélgica e dos Estados Unidos. Segundo o estudo, publicado hoje na revista científica PLOS Pathogens, a presença da saliva do mosquito acelera o alastramento do vírus no corpo do paciente.

Ao inocular o vírus em camundongos, os cientistas descobriram que a presença da saliva do mosquito enfraqueceu os vasos sanguíneos, tornando-os mais permeáveis. Ao facilitar as trocas entre os vasos sanguíneos e outros tecidos do organismo, a saliva pode ajudar o vírus a se espalhar mais rapidamente, aumentando a severidade da doença, segundo os autores do estudo.

A pressença da saliva do Aedes aegypti aumenta a permeabilidade dos vasos sanguíneos na orelha de camundongos; com isso, o vírus (marcado em vermelho) se espalhamais amplamente na presença da saliva (à esquerda), em comparação ao vírus inoculado sem a saliva (à direita). Foto: Michael A. Schmid e Dustin R. Glasner

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"Moléculas presentes na saliva do mosquito podem modificar e modular o processo de infecção", disse uma das autoras do estudo, a virologista Eva Harris, da Universidade da Califórnia em Berkeley (Estados Unidos). Segundo ela, a ação da saliva do mosquito já foi bem estudada em outras patologias virais, como a doença do Oeste do Nilo, mas ainda não havia sido investigada na dengue.

Segundo Eva, o vírus da dengue infecta quase 400 milhões de pessoas anualmente em todo o mundo. Há quatro sorotipos do vírus. A versão severa da doença, que pode causar hemorragias, desenvolve-se especialmente em pacientes que têm uma infecção secundária - isto é, que são infectados pela segunda vez após já terem sido expostos a um dos outros três sorotipos.

Esse fenômeno, chamado de "amplificação dependente de anticorpo", ocorre quando os anticorpos gerados pela primeira infecção aderem ao vírus de um novo sorotipo, mas não o destróem porque eles são ligeiramente diferentes. Em vez de atacar o vírus, os anticorpos "errados" acabam facilitando a infecção de células imunes. O resultado é um aumento da carga viral nos pacientes, causando sintomas mais severos, incluindo a morte.

No experimento, a equipe de cientistas inoculou o vírus com saliva - e também o vírus e a saliva isoladamente - em camundongos com infecção primária e secundária de dengue. Em infecções primárias, a severidade da doença não teve alterações e os sintomas foram leves. Mas, em infecções secundárias, a combinação do vírus e da saliva foi letal para mais da metade da população de camundongos. Sem a saliva, a mortalidade foi bem mais baixa, mesmo em infecções secundárias.

Os cientistas então fizeram um experimento para rastrear o alastramento do vírus no sistema circulatório. Na orelha de camundongos, uma molécula do tamanho do vírus da dengue se moveu mais rápido e chegou mais longe quando foi inoculada junto com a saliva do mosquito.

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No laboratório, os cientistas usaram também células endoteliais humanas - que recobrem a parte interna dos vasos sanguíneos - e observaram que elas ficaram mais permeáveis com a presença da saliva do mosquito. 

Alastramento rápido. Os cientistas também descobriram que os camundongos inoculados apenas com o vírus, sem saliva, tinham a infecção eliminada quando a pele em torno do local da injeção era removida quatro horas depois da infecção. O mesmo procedimento não livrou da infecção os camundongos inoculados com vírus e saliva.

"Por causar danos à função de barreira das células endoteliais na pele, a saliva do mosquito pode aumentar o acesso do vírus a anticorpos amplificados no sangue, aumentando o alastramento dos complexos vírus-anticorpo da infecção, exacerbando-a em outros tecidos e tornando assim mais severa a doença", disse Eva.

Segundo ela, a descoberta sugere que "a saliva do mosquito e a amplificação dependente de anticorpo precisam ser levados em conta no desenvolvimento de vacinas e drogas contra a denque". "Recomendamos que modelos animais par ao estudo da dengue e para a validação de estudos pré-clínicos de candidatas a vacinas contra a doença sejam avaliados na presença combinada da saliva do mosquito e da amplificação dependente de anticorpo", disse.

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Quebra de paradigmas. De acordo com o virologista brasileiro Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), que não participou do estudo, a pesquisa abre um novo caminho para as pesquisas sobre dengue.

"A professora Eva e sua equipe estão mostrando que alguns compostos da saliva do mosquito exacerbam a gravidade da doença secundária, que é a dengue hemorrágica. Existe algo nesse composto - que o estudo deles ainda não conseguiu identificar -, que agrava a doença. Isso é uma mudança de paradigmas, porque sempre acreditamos que a dengue hemorrágica era resultado de uma interação do vírus com o hospedeiro humano. A partir de agora, isso terá que ser mais estudado", disse Nogueira ao Estado.

Segundo Nogueira, no entanto, o novo estudo traz mais interrogações do que respostas. "Na realidade, essa descoberta abre novas linhas de pesquisa, por trazer mais perguntas que respostas. O que há de mais importante no estudo é que achávamos que só o vírus e o hospedeiro estavam envolvidos na severidade da doença. Agora sabemos que o vetor (o mosquito) também está. Vamos ter que investigar, por exemplo, se todos os mosquitos têm essa característica, já que a diversidade deles é muito grande", explicou.

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