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Santa Casa e USP buscam formas de usar rins de porcos em transplantes

Descelularização, uma lavagem do órgão animal para repovoar tecidos com células humanas, está em estudo na Santa Casa; já cientistas da Universidade de São Paulo utilizam engenharia genética para criar alternativas que evitem rejeição nos pacientes

Por Paula Felix
Atualização:

SÃO PAULO - Em laboratórios de importantes instituições de pesquisa, especialistas estão debruçados em métodos para resolver o problema da fila para transplante de rim, que supera os 29,5 mil pacientes no Brasil. Com técnicas diferentes, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e a Universidade de São Paulo (USP) estudam meios de como usar rins de porcos para transplante em humanos.

Pesquisador mostra órgão suíno depois do processo Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

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Na Santa Casa, o método pesquisado é a descelularização, que consiste em retirar as células do órgão do porco, por meio de lavagem com um tipo de detergente orgânico. Depois, o órgão é repovoado com células humanas. 

Fundador da startup de biotecnologia Eva Scientific, o bioengenheiro Andreas Kaasi integra a equipe do Instituto de Pesquisa, Inovação Tecnológica e Educação (Ipitec) da Santa Casa, que trabalha no projeto para o uso do órgão do porco há pouco mais de um ano. “O órgão que começou bordô fica cada vez mais branco. O processo dura cerca de 24 horas. Antígenos e células que poderiam causar rejeição (no paciente humano) serão removidos.” Apesar de assumir aparência fantasmagórica, com a perda da cor, o rim mantém o formato original. 

Segundo ele, a Santa Casa teria capacidade para produzir 50 rins por semana. “É uma possibilidade para quebrar o descompasso entre demanda de órgãos e disponibilidade.” Sobre a previsão de usar a técnica em humanos, Kaasi estima prazo de 10 a 15 anos. “Chegamos à metade do caminho. Conseguimos anonimizar (descelularizar) o órgão do porco, que tem a mesma anatomia para ser humanizado.” 

Diretor executivo do Ipitec, Luiz Antônio Rivetti afirma que o andamento da pesquisa anima. “Os resultados são melhores do que a gente imaginava. O glomérulo (unidade funcional do rim) estava preservado. O repovoamento (com células humanas) é a próxima fase.”

Pesquisador mostra órgão suíno depois do processo Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Xenotransplante

Na USP, a técnica é diferente. A proposta é trabalhar com engenharia genética, com um método chamado xenotransplante. No lugar de trocar as células do órgão, o objetivo nesse modelo é criar animais modificados geneticamente. Isso permitiria que esses porcos já não tivessem as proteínas que causam rejeição hiperaguda no homem. Há cerca de dois anos, especialistas estudam esse formato por meio da técnica CRISPR-Cas9, de edição genética, usada em pesquisas americanas.

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“Essa é uma técnica que retira, acrescenta ou deleta genes do genoma de qualquer ser vivo”, afirma Silvano Raia, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP. 

Para a primeira etapa, a ideia é trabalhar com rim e pele do porco. O animal foi escolhido por ter mais semelhanças com os humanos do que os macacos. “Eles (suínos) são mais parecidos na alimentação, o manuseio é mais fácil e crescem depressa para chegar aos 70 quilos, 75 quilos, que é o peso médio do receptor (humano). Também é fértil e tem ninhadas de 18 a 20 filhotes”, afirma Raia. 

Segundo o professor, testes em humanos, rigorosos, só serão realizados com aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para avaliar riscos e benefícios aos pacientes. A alternativa já é estudada no exterior, em locais como a Universidade do Alabama em Birmingham (EUA). 

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“A engenharia genética tem progresso constante e há várias linhas de pesquisa trabalhando e tentando chegar em soluções. Do ponto de vista de compatibilidade, o porco tem mostrado que isso pode ser feito”, explica Paulo Pêgo Fernandes, presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos.

Segundo Mayana Zatz, do centro de pesquisas em genoma humano e células-tronco da USP, já há técnicas disponíveis que poderão ser usadas para realizar o transplante nos futuros pacientes sem a necessidade de cirurgias de grandes proporções. “É possível colocar o rim abaixo da pele e, se não funcionar, pode retirar e o paciente voltar para a hemodiálise.”

Espera no Brasil

Conforme o Ministério da Saúde, de janeiro a abril deste ano, foram realizados 1.651 transplantes de rim pelo Sistema Único de Saúde (SUS), responsável por 95% dos procedimentos com órgãos sólidos no País. Já em todo o ano passado, foram 5.196 transplantes. A fila de espera por um rim tem 29.545 pacientes.

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Silvano Raia diz que, no Brasil e no mundo, não há previsão de aumentar a captação de órgãos para transplante, mas a fila é crescente. “Vem aumentando por várias razões: os resultados (dos transplantes) são melhores, a idade média da população está aumentando e (a doença) está tendo tempo para evoluir e chegar a uma etapa que só a substituição resolve”, explica. 

Passo a passo

Em altaCiência
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- Indicação O transplante renal está indicado para pacientes que apresentam doença renal crônica avançada. 

- Como funciona a doação Hoje há dois tipos de doadores: os vivos (parentes ou não) e os mortos (com diagnóstico de morte encefálica e devida autorização familiar). Para receber um rim de um doador falecido é preciso estar na lista única de receptores de rim, especificamente da Central de Transplantes do Estado onde será feito o transplante.

- Desafios da nova técnica Ainda não há prazo para que as novas técnicas possam ser usadas em larga escala. Segundo o professor da USP Silvano Raia, o uso de rim de porco em humanos pode ainda despertar reações em vários campos. Há religiões que não consomem carne suína. E, no âmbito ético e jurídico, será necessário regulamentar a distribuição desses órgãos pelo Sistema Nacional de Transplantes.

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