Sérgio Augusto relembra os tempos ao lado de Ivan Lessa no Pasquim

Sérgio Augusto diz que jornalista era talentoso e que fazia com que a redação do Pasquim fosse como uma hora do recreio

PUBLICIDADE

Por Simone Iwasso
Atualização:

Em conversa com a reportagem de O Estado de S. Paulo, Sérgio Augusto conta que nos últimos tempos amigo andava nostálgico, sabendo que não tinha muito tempo mais de vida. Veja o depoimento abaixo.

 

PUBLICIDADE

"Eu era muito amigo do Ivan, trabalhamos juntos no Pasquim um bom tempo. Ele era muito debochado, muito moleque e isso fazia com que a redação do Pasquim fosse como uma hora do recreio. Para mim, Ivan Lessa era um Paulo Francis muito engraçado. Naquela época, nos divertíamos muito, saíamos muito. Quando a redação do Pasquim ficava em Copacabana, a gente saía toda tarde pra comer pastel de vento, aquele pastel de queijo inflado.

 

E uma das brincadeiras era pegar o pastel, ficar no semáforo esperando a luz ficar verde e, quando ela tava quase ficando vermelha, a gente atravessava. E no meio da travessia a gente dizia uma coisa bem absurda, dessas impublicáveis. Imagina dois caras de barba, com pastel na mão, passando e dizendo aquelas coisas. Todo mundo parava para ver quem tinha dito, e de olho no farol, que ia abrir. Sempre funcionava. Não falhava nunca.

 

A gente saía na rua também para dar cotação. O cachorro mais engraçado, o maluco mais maluco, a bunda das mulheres. A gente dava cotação pra tudo. Ficávamos andando pela avenida brincando assim, coisas de adolescentes, porque esse era o espírito dele.

 

E ele tinha um texto prodigioso, bem humorado. Ele tem frases memoráveis, dignas do Millôr Fernandes. Uma delas, que eu gosto muito, era que no Brasil, a cada 15 anos, todo mundo esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos. Para tudo ele tinha um ponto de vista crítico e bem diferente, original. Ele dizia, sobre a miséria no Nordeste, que vomitar por lá é prova de status. Outra que eu gosto muito, que a semiótica é o analfabetismo dos ricos. Ele era assim, debochado, meio Oscar Wilde.

 

Nossa convivência foi assim até que em 1978 ele foi embora para Londres, e desenvolveu uma relação conflituosa com o Brasil. Ele achava falta de caráter deixar a pátrica, mas não conseguia viver aqui por muito tempo. Ele foi pra Londres, mas não se desligava do Brasil de jeito nenhum. Ele ficou nostálgico. Lembrava de todos aqueles anúncios antigos, de futebol dos anos 1950, guardava tudo de cabeça. Tinha uma relação muito afetiva com o Rio de Janeiro. Me mandava muitas imagens do Rio do passado, dos gols do Botafogo - outra coisa que tínhamos em comum.

 

Nos últimos tempos ele estava assim, mais nostálgico, sabendo que não tinha muito tempo mais de vida. Começou a me contar coisas da vida dele, brincando que eu ia fazer a biografia dele. E essa semana fui ao barbeiro e li sua última crônica para a Playboy e percebi que era uma despedida dele pros leitores. Como não recebia nenhum email dele havia uma semana, decidi escrever, mas fiquei sem resposta. Acho que ele, que ficava o tempo todo conectado, e chamada a internet e a net, como se fosse íntima dele, como uma namorada, já não estava mais tão bem."

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.