Sete anos depois, estação brasileira renasce no continente gelado
Substituta de base que pegou fogo, nova unidade deve ser concluída em março
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Por Luciana Garbin e ANTÁRTIDA
Atualização:
É uma construção de respeito. Capaz de superar ventos de até 200 km/h, abalos sísmicos frequentes, solos sempre congelados. Só em estruturas de aço de alta resistência são 700 toneladas e as fundações atingem até 28 metros de profundidade. No total, 54 pilares sustentam 226 contêineres de 3,5 toneladas.
A nova estação brasileira na Antártida impressiona pelos desafios logísticos e de engenharia e pelos traços futuristas. Projetada pelo escritório de arquitetura curitibano Estúdio 41, escolhido num concurso, e executada pela China National Electronics Imports and Exports Corporation (Ceiec), a obra custou US$ 99,6 milhões (cerca de R$ 373 milhões) e deve ser concluída no dia 12. Mas só deve ser inaugurada oficialmente no próximo verão.
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O Estado passou esta semana na Estação Antártica Comandante Ferraz acompanhando os últimos trabalhos da construção, que começou em novembro de 2015, ainda sob impacto do incêndio que há exatos sete anos destruiu 70% das instalações e matou dois militares. Mais de 200 chineses se revezam quase 24 horas por dia na obra. Muitos vieram de Harbin, região perto da fronteira com a Rússia famosa pelo festival de esculturas de gelo e frio intenso.
A Ceiec desbancou finlandeses, chilenos e brasileiros na concorrência feita pela Marinha. Entre as atribuições do contrato, está levar de volta à China todos os contêineres, guindastes, veículos e materiais de construção que não servirem. “Mais de 80% da obra já está pronta e a partir de março o canteiro começará a ser desmontado. Em 5 de abril, a maioria dos chineses vai sair daqui no navio Magnólia rumo ao aeródromo da base chilena”, diz o capitão de mar e guerra da reserva Geraldo Juaçaba, responsável pela reconstrução. Ficarão 25 chineses, que passarão o inverno com 16 militares brasileiros e têm a missão de manter a estação aquecida e testar equipamentos.
A base é composta por três blocos com capacidade para até 64 pessoas. O Leste, destinado às pesquisas, serviços e convívio, tem 14 laboratórios, refeitórios, cozinha e setor de saúde. O Oeste, 32 camarotes, biblioteca, ginásio e auditório, além de paiois de mantimento e tanques no nível inferior.
No Técnico, geradores, garagem, caldeiras, um incinerador apelidado de dragão e estação de tratamento de água e esgoto, entre outras coisas. Há ainda oito aerogeradores de energia, painéis solares e módulos isolados, de telecomunicações, meteorologia e ozônio, lavagem de sedimentos, mergulho e resíduos perigosos. Todas as fundações do prédio principal foram pré-montadas em Shangai e trazidas de navio em 2016. No ano seguinte, foram fabricados e pré-montados pilares, estruturas e contêineres. A construção foi vista pela Marinha como uma forma de transferência de tecnologia. Tanto que engenheiros brasileiros passaram quase um ano na China supervisionando os preparativos.
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O engenheiro eletricista e capitão-de-corveta Daniel Pontes foi um deles. Com quase tudo pronto, diz sentir grande orgulho. “Se essa estação não é a mais moderna da Antártida, certamente é uma das mais.” A seu lado, o engenheiro mecânico e capitão-tenente Christovam Leal Chaves conta que mais de três mil itens foram analisados pela fiscalização.
Depois do trauma do incêndio de 2012, a segurança virou quase obsessão e acabou ampliando a área da base. “Nosso projeto original tinha 3,3 mil m², mas a estação acabou ficando com 4,5 mil m², em boa parte para aumentar a segurança”, explica Juaçaba. É quase o dobro da antiga, que tinha 2,6 mil m². Tudo também foi pensado para reduzir custos. “Não há lugar mais caro para construir e manter que a Antártida. É fundamental pensar na logística para fazer, ocupar, manter e desmontar se necessário”, diz a arquiteta Cristina Engel, que ajudou a montar os requisitos para construção. “O Brasil é um país tropical que teve de aprender a construir na Antártida.”
Enquanto a obra da estação não termina, militares e alguns civis brasileiros ocupam o Módulo Antártico Emergencial (MAE). Feito por uma empresa canadense, é uma junção de cerca de 60 contêineres, que formam área de aproximadamente 950 m² e permitem uma rotina confortável, com três alas de alojamentos, refeitório, enfermaria, banheiros e academia de ginástica.
Estadão na Antártida, dia 7 - Estação Comandante Ferraz
1 / 8Estadão na Antártida, dia 7 - Estação Comandante Ferraz
Estadão na Antártida, dia 7 - Estação Comandante Ferraz
Símbolo da Estação Antártica Comandante Ferraz Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Vista da varanda da nova estação Comandante Ferraz, com a baía do Almirantado Foto: Luciana Garbin/Estadão
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Newton Fagundes, Engenheiro civil geotecnico e capitão de fragata da Marinha Foto: Luciana Garbin/Estadão
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Vista interna da academia da nova estação brasileira Foto: Luciana Garbin/Estadão
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O médico da estação brasileira, Rodrigo Nunes Foto: Luciana Garbin/Estadão
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Francisco Luiz de Souza Filho, chefe da estação brasileira e do grupo que passará o próximo inverno na base Foto: Luciana Garbin/Estadão
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Varanda da estação Comandante Ferraz com a baía do Almirantado Foto: Luciana Garbin/Estadão
Estação Comandante Ferraz
Grupo de marinheiros que vai passar o inverno na Estação Comandante Ferraz Foto: Clayton de Souza/Estadão
CIÊNCIA
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Requisito para o Brasil continuar membro consultivo do Tratado da Antártida, as pesquisas científicas no continente continuaram após o incêndio, no MAE e em estações parceiras. Mas a maior parte dos estudos é feita fora da Comandante Ferraz, no Navio Polar Almirante Maximiano, no Módulo Criosfera 1, a 2,4 mil km ao sul da base brasileira, e em acampamentos. Cientistas costumam, porém, amargar fases de incerteza em relação à verba para pesquisas. O edital de 2013, que era para ter sido pago até 2016, teve a última parcela paga em 2017. Em novembro, o governo federal liberou edital de R$ 18 milhões.
"A situação agora está melhor e os pesquisadores estão na expectativa da inauguração da nova estação e da aquisição de equipamentos para os laboratórios pelo Ministério da Ciência e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)”, conta Jefferson Cardia Simões, vice-presidente do Comitê Científico Internacional de Pesquisa Antártica. As pesquisas, diz ele, abrangem desde ciências básicas da atmosfera até estudo de como a massa de gelo responde às mudanças climáticas e impacta a elevação do nível dos mares. “Ao reinaugurarmos a estação, não estamos falando só de ciência. Será a casa do Brasil na Antártida e demonstra nosso interesse em dizer: ‘Olha, também queremos decidir o futuro dessa região do planeta’.”
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Pôr do solàs 21h. Vista do passadiço, cabine de comando do navio Ary Rongel Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Reunião no passadiço entre o comandante Antônio Brás e sua tripulação no navio Ary Rongel Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Marinheiros do navio Ary Rongel no convés durante operação Foto: Clayton de Souza/Estadão
Ilha Rei George
Iceberg próximo à ilha Rei George Foto: Clayton de Souza/Estadão
Navio Ary Rongel
Cabine do navio Ary Rongel Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Retrato, carta e espada de Ary Rongel, que dá nome ao navio Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Nossa Senhora dos Navegantes,protetora dos marinheiros Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Trator no porão do navio Ary Rangel Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Escadas íngremes do navio: essa parte é conhecida como escadaria da Penha, em referência à igreja da zona norte do Rio de Janeiro Foto: Clayton de Souza/Estadão
Travessia do Drake
Garrafa de café presa para não cair quando o navio balança muito com mar agitado Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Ary Rongel navegando rumo à Baía do Almirantado, onde fica a estação brasileira Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Culto evangélico realizado em um dos laboratórios do navio. Ao fundo no computador a medição da profundidade da água Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Azulejos das primeiras operações antárticas e imagem do navio Barão de Teffé, que foi substituído pelo Ary Ronge Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Parede com brasões presenteados ao navio Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Primeiro sargento enfermeiro Luiz Claudio Rufino da Silva, que gravou o boletim Alvorada, às 7h. Ele tem 41 anos de idade e 22 de Marinha Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Academia do navio Ary Rangel Foto: Luciana Garbin/Estadão
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Vista da Estação Comandante Ferraz Foto: Clayton de Souza/Estadão
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O navio Ary Rondelfundeado na frente da Estação Comandante Ferraz Foto: Clayton de Souza/Estadão
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O alpinista Nelson Barretta na Ilha Rei George Foto: Clayton de Souza/Estadão
Navio Ary Rongel
Comandante Antonio Braz durante reunião com oficiais no passadiço do navio Ary Rongel Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Geleira na ilha Rei George próxima a base chilena Eduardo Frei na Antártida Foto: Clayton de Souza/Estadão
Ilha Rei George
Iceberg na Ilha Rei George, próximoa base chilena Eduardo Frei, no continente Antártico. Caminho para a Estação Comandante Ferraz Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Navio Magnólia, que dá suporte logístico para a construção da estação, feitopela empresa chinesa Ceiec Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Helicóptero pousa no navio Ary Rongel durante operação de transporte de pesquisadores na Ilha Rei George, no continente Antártico Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Lua cheia vista do passadiço do navioAry Rongel Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Praia na Ilha Rei George, próxima a base chilena Eduardo Frei Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Geleira na Ilha Rei George, próxima a base chilena Eduardo Frei, no continente Antártico Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Ilha Rei George, próxima a base chilena Eduardo Frei, no continente Antártico. Caminho para a Estação Comandante Ferraz Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Marinheiros preparam o desembarque no navio Ary Rongel Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Navios em frente a geleira na Ilha Rei George, próxima a base chilena Eduardo Frei, no continente Antártico. Caminho para a Estação Comandante Ferraz Foto: Clayton de Souza/Estadão
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A editora Luciana Garbin mostra ao fundo o Navio Magnólia, que dá suporte logístico para a construção da estação Foto: Clayton de Souza/Estadão