EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

Opinião|Sexo e canibalismo

PUBLICIDADE

Atualização:

No português chulo, o verbo comer é associado ao ato sexual. Fulano comeu beltrana. A razão para a espécie humana associar o coito à alimentação talvez seja mais bem explicada pelos psicanalistas, mas essa associação existe de forma literal entre os animais. Um caso bem estudado é o das aranhas, que se falassem português usariam a expressão inversa. Fulana comeu beltrano. E, nesse caso, o uso da linguagem seria castiço. Em muitas espécies de aranhas, após a corte, enquanto o macho insere seu órgão genital na fêmea e deposita seus preciosos espermatozoides, a fêmea devora literalmente o macho, começando pela cabeça e terminando pelos órgãos genitais, já inúteis. Isso pode parecer um tanto cruel para os machos da espécie humana, mas faz todo sentido do ponto de vista evolutivo. Nas aranhas o macho é monogâmico e só copula com uma única fêmea, mesmo quando escapa vivo de seu primeiro encontro sexual. Além disso, é egoísta e autocentrado, não auxiliando na criação dos filhotes. Em suma, é um ser que se torna inútil após ter depositado seus espermatozoides. Portanto, nada mais natural que sua única contribuição para o sucesso reprodutivo de sua parceira seja doar a ela uma bela refeição. A primeira refeição da noiva após a noite de núpcias é o corpo de seu amante, que lindo. Os machos que se deixam devorar durante o sexo têm mais chances de passar seus genes para a próxima geração, pois a fêmea que recebe seus espermatozoides começa a aventura da reprodução bem alimentada. Mesmo as feministas mais radicais, que consideram o macho algo inútil, têm de concordar que existe alguma utilidade nesses machos mártires. Existe uma espécie de aranha, a Pisaura mirabilis, que intriga os cientistas. Essa espécie tem um comportamento no mínimo bizarro e totalmente contrário ao que ditam as leis da evolução. Em uma fração considerável dos encontros amorosos, após a corte, a fêmea come o macho antes do ato sexual. O pobre macho se aproxima para tentar copular e é rapidamente devorado. Fulana come fulano antes de fulano comer fulana. Como explicar esse comportamento feminino? Ele mata a fome, mas evita a fecundação. Seria uma forma radical de controle de natalidade? O coitus interruptus levado ao extremo? Mas, se esse comportamento acontecesse em todos os encontros sexuais, a espécie já estaria extinta. Nos últimos anos, os cientistas tentaram, e conseguiram, observar casais de Pisaura em pleno sexo. E descobriram algo sensacional. Em muitos casos, o macho, ao se aproximar da fêmea, leva em seus braços um pequeno pacote branco que é entregue a ela. Enquanto a noiva, lisonjeada pelo presente, o desembrulha, o macho, rápido e certeiro, a fecunda e corre para longe. Quando os cientistas investigaram o que continha o tal pacote branco, descobriram que não passava de uma mosca morta embrulhada carinhosamente em camadas e mais camadas de fios de seda, os mesmos usados para fazer as teias. A conclusão foi que os machos, para salvar o próprio corpo, entregavam o saboroso cadáver de uma presa. Qualquer semelhança com os bombons presenteados no Dias dos Namorados é mera coincidência. Agora, estudando encontros amorosos entre casais de Pisaura, os cientistas comprovaram que os presentes salvam a vida de muitos machos e garantem a sobrevivência da espécie. Enquanto somente 5% dos machos que levam presentes são devorados pelas fêmeas, 35% dos que chegam de mãos vazias terminam comidos antes da cópula. Os cientistas também descobriram que as fêmeas famintas (de alimentos) muitas vezes preferem comer o macho a serem comidas por eles. É bem sabido que a necessidade de alimentos vem antes da necessidade reprodutiva. Minha conclusão é que aranhas e seres humanos usam presentes para aplacar a ira de uma fêmea irritada e para facilitar a obtenção de favores sexuais. Resta descobrir por que as fêmeas presenteiam os machos, um comportamento comum na espécie humana, mas ausente nas aranhas. Alguma sugestão?*FERNANDO REINACH É BIÓLOGO

Opinião por Fernando Reinach
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.