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Veneno de cobra faz rato queimar caloria

Pesquisa mostra que animais tratados com toxina da cascavel engordaram 10% menos; substância ainda diminui tumores em camundongos

Por Herton Escobar
Atualização:

Meio século depois das pesquisas com veneno de jararaca que deram origem ao captopril — um dos medicamentos contra hipertensão mais usados no mundo até hoje —, cientistas brasileiros estão descobrindo possíveis usos terapêuticos para toxinas de uma outra serpente brasileira: a cascavel. 

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Toxina da cascavel altera metabolismo dos animais, diz pesquisadora da Unifesp Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

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Vários estudos nos últimos anos já demonstraram atividades antitumorais e antibióticas para diversas toxinas do veneno da serpente, famosa pelo chocalho que tem na ponta da cauda para afugentar ameaças. A descoberta mais recente, publicada na revista Scientific Reports, é também uma das mais curiosas — e inesperadas.

A pesquisadora Mirian Hayashi, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), testava os efeitos terapêuticos de uma dessas toxinas sobre tumores de pele quando percebeu que os camundongos tratados com a substância, além de melhorarem do câncer, estavam ganhando menos peso do que o esperado. Resolveu, então, testar os efeitos da tal molécula, a crotamina, sobre o metabolismo dos animais, e os resultados foram surpreendentes.

Os camundongos tratados com crotamina ganharam 10% menos peso do que os outros animais alimentados com a mesma dieta. Associado a isso, foi observada uma redução de gordura branca (que armazena calorias) e aumento da quantidade de gordura marrom (que queima calorias), resultando em um aumento da termogênese, que é a conversão de lipídios em energia calórica. Trocando em miúdos: os animais que receberam crotamina passaram a queimar mais calorias e por isso engordaram menos, mesmo sem fazer exercícios.

“Não só funciona como um antitumoral como altera o metabolismo do animal”, explica Mirian, professora associada ao Departamento de Farmacologia da Unifesp. “O efeito é maior ainda se o animal não tiver câncer.” A taxa de 10% a menos de ganho de peso pode não parecer muito, diz, mas faz grande diferença na saúde dos animais, já naturalmente magros. “Mais do que isso não seria saudável”, afirma a pesquisadora. “É o conceito que importa.” O próximo passo é testar a molécula em animais obesos.

Invasora de tumores. Isolada do veneno da serpente Crotalus durissus terrificus — uma das seis subespécies de cascavel que ocorrem no Brasil — a crotamina é uma pequena proteína (peptídeo) com duas características que interessam muito ao desenvolvimento de fármacos: a capacidade de penetrar nas células de mamíferos e uma seletividade para células em processo de divisão, como é o caso das células tumorais. Ou seja, ela invade tumores, mas não tecidos saudáveis. Daí o interesse de testá-la como um agente marcador e inibidor de células cancerígenas. 

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Experimentos publicados pelo grupo de Mirian em 2017 mostraram redução de 80% no crescimento de tumores de pele (melanoma) em camundongos tratados com crotamina; sem qualquer efeito adverso e com a vantagem — enorme, do ponto de vista farmacêutico — de funcionar por via oral, sem a necessidade de injeções.

A redução no ganho de peso dos animais foi um efeito inesperado, que acabou virando uma nova linha de pesquisa. “É uma descoberta muito interessante”, diz a pesquisadora Irina Kerkis, do Instituto Butantã, que também estuda a crotamina e outros peptídeos isolados de animais peçonhentos. “Os venenos estão cheios de toxinas, que podem ter várias funções.” Os efeitos podem variar segundo o tecido ao qual a toxina é exposta. 

Os cientistas ressaltam que os resultados são ainda preliminares e não há garantia de que os efeitos vistos nos camundongos serão reproduzidos em humanos. Mas são promissores, e já atraíram a atenção de empresas estrangeiras, interessadas em levar as pesquisas adiante.

Para lembrar

Durante pesquisa sobre o veneno da jararaca, o médico e cientista brasileiro Sérgio Ferreira descobriu na década de 1960 o chamado fator de potencialização da braticinina (BPF, na sigla em inglês), que se transformaria no medicamento mundialmente mais usado até hoje contra a hipertensão, o captopril. Pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), foi um dos primeiros a transformar um produto descoberto na natureza em remédio vendido em larga escala. Ferreira morreu em 2016.

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