Viajando de bicicleta

A leitura como fonte de inclusão social

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Por Naryana Caetano
Atualização:

 Iniciando a conversa, o senhor de cabelos ralos e grisalhos, com bigode de vassoura, compara: “A pessoa sem cultura é um cego sem seu cão-guia.” Trajando uma camiseta estampada com a frase do escritor português Valter Hugo Mãe - “Pensava que quando se sonha tão grande a realidade aprende” -, Robson César Correia de Mendonça faz jus à citação e aposta no seu sonho. Robson, simpatia e determinação O gaúcho de 62 anos chama atenção desde 25 de julho de 2011, quando lançou o projeto Bicicloteca. Em um triciclo vermelho motorizado são transportados todos os dias 150 quilos de obras, que vão desde Machado de Assis a Stephenie Meyer. Morador de rua por seis anos, Robson ficava frustrado com o fato de ir a bibliotecas públicas e ter seu acesso ao conhecimento vedado por dois motivos: pelo desconforto das pessoas ao dividirem a mesa com ele ou por não ter comprovante de residência para retirada de livros. Apegando-se a isso, ele teve a ideia de democratizar o acesso à informação. “Eu vi a necessidade de criar um mecanismo que levasse cultura onde o pessoal está, sem burocracia, sem pedir documento, sem a rejeição de ser ou não morador de rua, de estar ou não trajado adequadamente e sem aquela obrigatoriedade de prazos. ‘Desburrocratizar’ o sistema, que é dominado por uma elite conservadora.” Atualmente, a Bicicloteca está com quase 2 mil empréstimos, que são feitos de maneira simples. Qualquer pessoa pode escolher a melhor leitura, falar o nome e levar. No Brasil, segundo dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), em 2012, o analfabetismo funcional totaliza 20% da população. Dentre formas de diminuir essa porcentagem, programas comunitários como o do gaúcho ganham força. “Esses projetos integram a população em suas relações de valores sociais, culturais e morais, favorecendo, assim, a valorização da autoestima e o senso crítico”, informa Vera Cristina Athayde, membro da Comissão Paulista dos Pontos de Cultura. Mendonça, concordando, abre seu coração. “Acho que o deficiente visual, se não souber ler nem escrever, eu não vou dizer que seja uma vantagem, mas pelo menos a pessoa vai pensar: não, mas ele é cego. Agora, uma pessoa que não consegue ler e nem escrever corretamente, é mais cega que o próprio cego, porque ele sempre passará, mesmo não querendo, a ser manipulado pelos outros”, explica. O sociólogo Paulo Camargo completa: “Ao invés de você viver colado a uma realidade, com a leitura você consegue se distanciar e começa a interpretar essa realidade. Você ganha mais autonomia, iniciativa e começa a pensar.”

O sonho do ex-morador de rua é que a Bicicloteca se espalhe e que, de alguma maneira, transforme a sociedade. “A leitura faz você viajar, conseguir novos conhecimentos. Faz com que você possa mudar alguma coisa no seu país, a começar pela sua vida”, diz, sorrindo.

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