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Mudança na Lei de Agrotóxicos seria 'grave retrocesso', diz professor da Fiocruz

Luiz Claudio Meirelles, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e ex-coordenador geral de toxicologia da Anvisa, será um dos palestrantes do USP Talks de hoje, sobre Agrotóxicos. Evento é gratuito e aberto ao público, no auditório do Masp

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Por Herton Escobar
Atualização:

Avião pulveriza plantação de soja no Piauí. Foto: Marcio Fernandes/Estadão (2006)

O Projeto de Lei 6.299, que propõe mudanças na atual legislação federal de agrotóxicos, representa "um grave retrocesso no que se refere à proteção do meio ambiente e da saúde humana" no Brasil, diz o professor Luiz Claudio Meirelles, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que durante 13 anos foi coordenador geral de toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

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Meirelles será um dos palestrantes do USP Talks deste mês, sobre Agrotóxicos, que acontece hoje, das 18h30 às 19h30, no auditório do Museu de Arte de São Paulo (Masp). O evento é gratuito, aberto ao público (sem necessidade de inscrição), e terá transmissão ao vivo pelo Facebook.

O outro palestrante da noite será o engenheiro agrônomo José Otavio Menten, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). Leia a entrevista dele aqui.

Veja alguns posicionamentos de Meirelles a seguir:

1. Um dos argumentos mais repetidos nesse debate é que o Brasil é o maior consumidor/usuário mundial de agrotóxicos. Isso é verdade? E quais são as implicações disso para a saúde pública?

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Certamente. Se o Brasil não  está no topo neste momento, está entre os maiores consumidores do mundo. A Universidade Federal do Paraná  (UFPR) realizou um estudo em 2010 demonstrando que o crescimento do consumo no Brasil foi duas vezes superior à média mundial. O uso elevado e continuado dos agrotóxicos contamina o meio ambiente, os trabalhadores e os alimentos consumidos pela população, representando agravos à saúde e um enorme desafio para a saúde pública, com custos elevados para o desenvolvimento de ações de avaliação, monitoramento, fiscalização, vigilância e assistência aos intoxicados.

2. Se forem usados corretamente, esses produtos deixam de ser uma ameaça à saúde pública e ao meio ambiente? Em outras palavras: O problema são os agrotóxicos propriamente ditos, ou os produtores que fazem mau uso desses produtos -- por exemplo, usando quantidades maiores do que o recomendado, ou usando produtos não autorizados para determinadas culturas? 

Medidas de proteção individual e coletiva são mitigadoras dos impactos dos venenos; entretanto, as condições socioeconômicas, as condições de trabalho e a insuficiência da extensão rural, entre outros fatores, são determinantes para a segurança na manipulação e uso dos agrotóxicos.  Tal precariedade resulta em vulnerabilidade permanente dos trabalhadores e suas famílias, principalmente em países em desenvolvimento. O Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 2017, destacou tais problemas e solicitou aos países maior rigor no controle e substituição dos agrotóxicos.

3. As análises da Anvisa mostram que há resíduos de agrotóxicos em diversos alimentos. Mas quais são as evidências científicas de que esses resíduos são, de fato, prejudiciais à saúde dos consumidores? Há algo que as pessoas possam ou devam fazer para reduzir sua exposição a esses produtos?

Os agrotóxicos são tóxicos em diferentes doses; são estranhos aos alimentos e aos organismos vivos. Apoiadas em estudos científicos, a Fiocruz, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) informam que não existe limiar seguro para o desenvolvimento de doenças crônicas e apontam a exposição aos agrotóxicos como fator de risco para o desenvolvimento de câncer. A medida mais efetiva para proteção da população é substituir os agrotóxicos, que em estudos experimentais demonstram efeitos carcinogênicos, teratogênicos e hormonais. Enquanto isso, a lavagem abundante e o consumo de produtos da época podem reduzir a exposição, assim como o consumo de produtos de origem orgânica e agroecológica.

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4. Qual é a opinião do senhor sobre o Projeto de Lei 6.299?

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O PL representa um grave retrocesso no que se refere à proteção do meio ambiente e da saúde humana. A Lei 7.802/1989 segue atualizada e foi exaustivamente regulamentada, notadamente para a qualificação de procedimentos técnicos de avaliação toxicológica e eco-toxicológica, sendo equiparável às legislações das nações mais avançadas nas questões de avaliação e controle de agrotóxicos. A Fiocruz e a Abrasco emitiram notas técnicas, que analisam detalhadamente o PL 6299.

5. Defensores do projeto de lei dizem que ele é necessário para modernizar a regulamentação dos agrotóxicos no Brasil, eliminando entraves burocráticos para agilizar a aprovação de produtos mais eficientes e mais seguros, já aprovados em outros países -- mas que hoje demoram anos para serem aprovados no Brasil, por conta da morosidade dos órgãos regulatórios (Ibama e Anvisa). Como resolver isso? 

A argumentação dos defensores do PL não é verdadeira, por várias razões. A legislação brasileira é atual quanto à previsão de exigências para proteção à saúde e ao meio ambiente, conforme definido por organizações multilaterais internacionais. A legislação foi regulamentada em 1990, posteriormente teve esse regulamento revisado em 2002, e diversas portarias, instruções normativas já modernizaram a legislação de agrotóxicos. A imensa fila de 1880 processos de registro inclui pleitos, em sua maioria, de produtos já registrados no país -- portanto, não se trata de produtos que comportam nova tecnologia. A fila de produtos novos possivelmente não ultrapassa o quantitativo de 20 processos. O levantamento de 2010 da UFPR mostrou que metade dos produtos com registro concedido no país não são comercializados. Por fim, o Brasil ainda utiliza agrotóxicos proibidos em outros países. Atrazina e paraquate, proibidos na União Europeia desde 2003, estão entre os mais utilizados no país.

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