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Imagine só!

Quanto se pesca no Brasil? Ninguém sabe

Imagine se você ligasse no Ministério da Agricultura, pedindo informações sobre a produção agrícola nacional, e eles não soubessem informar quanto o país produziu de grãos ou carne nos últimos três anos. Essa é a situação real no Ministério da Pesca e Aquicultura, que não produz estatísticas sobre a atividade pesqueira no Brasil desde 2011

Por Herton Escobar
Atualização:

Foto Nilton Fukuda/Estadão  Foto: Estadão

Uma disputa entre pescadores e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) sobre a nova lista de peixes ameaçados de extinção, publicada em dezembro, fez emergir um problema crônico e profundo da gestão pesqueira no Brasil: a falta de dados sobre a produção de pescado nacional. O último boletim estatístico publicado pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) é de 2011. Desde então, não há dados oficiais consolidados sobre a atividade pesqueira no País.

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Quais espécies estão sendo pescadas? Onde, como e em que quantidade? A produção está aumentando ou diminuindo? Ninguém sabe. Fazendo uma analogia com o setor agrícola, é como se o Ministério da Agricultura não soubesse informar quanto o Brasil produziu de carne e soja nos últimos três anos; nem onde estão as fazendas, ou de que raça são os bois.

"Estamos trabalhando basicamente às cegas, há muito tempo", diz Fernando das Neves, vice-presidente do Sindicato dos Armadores e das Indústrias de Pesca de Itajaí e Região (Sindipi), em Santa Catarina, maior polo de pesca industrial do País. "Não há como fazer uma boa gestão pesqueira sem informações."

O problema incomoda tanto o setor produtivo quanto cientistas e organizações conservacionistas, que ficam limitados na sua capacidade de monitorar e planejar a sustentabilidade da atividade -- seja com o intuito de intensificar ou de restringir os esforços de pesca.

"A falta de dados é prejudicial para todos", diz a bióloga Mônica Brick Peres, diretora geral da organização Oceana Brasil e especialista em recursos marinhos e gestão pesqueira. "Para fazer manejo de pesca, você precisa saber o que é capturado, o que é jogado fora, o que é desembarcado, como, onde e em que época. Sem essas informações, qualquer coisa é chute."

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Capas dos dois últimos relatórios estatísticos do Ministério da Pesca. Para baixar os documentos na íntegra, clique aqui: 2010 e 2011  Foto: Estadão

Carta de recomendações

A Oceana protocolou em Brasília, no dia 14, uma carta aberta à presidente Dilma Rousseff, pedindo uma reestruturação das políticas de pesca no Brasil. O documento é assinado por 28 especialistas acadêmicos e 16 representantes de entidades ligadas ao tema, incluindo ONGs, sindicatos e grandes empresas do setor pesqueiro -- atores que normalmente sentam em lados opostos do auditório, mas que, neste caso, têm um problema em comum para resolver. O primeiro item na lista de necessidades elencadas pelo grupo é, justamente, a produção de dados "sistemáticos e contínuos" sobre as atividades de pesca no País.

"A produtividade biológica da pesca extrativa depende diretamente da capacidade de reposição natural dos estoques pesqueiros explorados. Por isso, é imprescindível manter um sistema eficiente e contínuo de coleta e análise de dados técnico-científicos e avaliações de estoque para subsidiar o adequado ordenamento da pesca", afirma a carta. O Sistema Nacional de Informações de Pesca e Aquicultura (Sinpesq), criado em 1995 para suprir essa necessidade, "nunca foi devidamente regulamentado ou implantado", segundo o documento.

"No Brasil, a maioria das pescarias não tem qualquer controle ou normatização", prossegue a carta. "Dada a fragilidade histórica da gestão pesqueira, o país enfrenta hoje enormes lacunas em termos de monitoramento, avaliação de estoques e fiscalização da pesca, com um claro retrocesso nos últimos anos. A situação da pesca é bastante grave e precisa ser urgentemente revertida."

Justificativas

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Procurado pelo Estado para explicar porque os Boletins Estatísticos de Pesca e Aquicultura deixaram de ser publicados em 2012, o MPA informou que "tem buscado aperfeiçoar a coleta de dados e só então publicará os boletins subsequentes". O único dado disponível para o período é o da produção aquícola (de animais aquáticos cultivados em tanques) de 2013, compilado pelo IBGE.

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"O MPA busca a continuidade da parceria com o IBGE (...) e também está em contato com outras instituições para auxiliá-lo nessa tarefa, que é complexa, haja vista as dimensões continentais do nosso país", informou o ministério, por meio de sua assessoria de imprensa. "Paralelo a isso, busca o incremento orçamentário para que a coleta de dados possa ser retomada de forma efetiva e contínua em todo o território brasileiro."

Um Grupo Técnico de Trabalho (GTT), formado por oito especialistas, foi criado em outubro pela pasta (Portaria MPA 385:2014 GTT) com a finalidade específica de "analisar os dados de produção pesqueira e aquícola no período de 2008 a 2013", num prazo de 90 dias. O relatório final do grupo, segundo o ministério, está em "fase de finalização".

Segundo Mônica Brick Peres, da Oceana, 2008 foi o último ano em que se fez um trabalho sistemático de coleta de dados no campo sobre pesca, em escala nacional. Todos os relatórios publicados desde então, segundo ela, são baseados em extrapolações desses dados mais antigos, combinados com dados regionais de alguns Estados como São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro, que têm iniciativas próprias de monitoramento.

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 Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Continuidade

O único Estado que nunca interrompeu sua coleta de dados pesqueiros é São Paulo, por meio do Instituto de Pesca. "Ter dados estaduais ajuda, mas não basta", diz Marcus Carneiro, pesquisador e coordenador de projetos do instituto. "Apesar de todo o acompanhamento que fazemos, só sabemos aquilo que foi desembarcado em São Paulo, não tudo o que foi pescado."

Carneiro explica que o peixe que é descarregado no Estado não foi necessariamente pescado em águas paulistas. É comum barcos da frota de São Paulo pescarem em outros Estados, assim como há barcos de outros Estados que pescam no litoral paulista e voltam ao seu porto de origem para descarregar. Assim, só um monitoramento nacional seria capaz de identificar com precisão esse vai e vem das pescarias -- indispensável para uma gestão adequada dos recursos pesqueiros.

"Os dados que tínhamos (até 2011) não eram os melhores, mas permitiam fazer algum tipo de análise", diz o biólogo Ronaldo Francini Filho, especialista em peixes, corais e manejo de recursos marinhos, da Universidade Federal da Paraíba. "Agora, basicamente, não temos estatística pesqueira nenhuma. É uma lacuna enorme."

Para mais informações sobre a polêmica da lista de espécies ameaçadas, leia também: 

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